Médicos Sem Fronteiras trabalha resposta à COVID-19 nos mais de 70 países onde atua
Os projetos da organização estão se adaptando para o contexto da pandemia e novas atividades estão sendo desenvolvidas em locais onde a situação é crítica
As equipes da organização de ajuda humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) estão correndo contra o tempo para responder à pandemia de COVID-19 nos mais de 70 países onde MSF mantém projetos, enquanto novas atividades se iniciam em novos países à medida que estes se tornam focos críticos da pandemia.
A resposta de MSF à COVID-19 concentra-se em três pilares: apoiar as autoridades de saúde na oferta de cuidados aos pacientes de COVID-19, proteger pessoas vulneráveis e em risco e manter os serviços médicos essenciais em funcionamento.
Nos projetos da organização, as equipes de MSF vêm aprimorando as medidas de prevenção e controle de infecções para proteger pacientes e profissionais e impedir a disseminação do novo coronavírus. Para MSF, é absolutamente crucial proteger os profissionais de saúde e os pacientes nos centros de tratamento da COVID-19 e em todos os outros centros que fornecem serviços vitais de saúde, para impedir que as instalações disseminem o vírus ou sejam obrigadas a fechar as portas.
Atualmente, os sistemas de saúde no mundo inteiro precisam urgentemente de equipamentos de proteção individual (EPI) para que serviços médicos fundamentais possam continuar. A escassez global de EPIs já era uma realidade para os profissionais de saúde na maioria dos países onde a organização tem projetos. Em muitos locais faltam itens como máscaras e aventais e ferramentas médicas como testes. O acesso a equipamentos de proteção, testes de COVID-19, oxigênio e medicamentos torna-se cada vez mais urgente à medida que a doença se espalha em países com pouco acesso a essas ferramentas.
Atendimento médico para pacientes de COVID-19
Na Europa e nos EUA, que atualmente são os epicentros da pandemia, a resposta de MSF concentra-se na implementação de práticas mais efetivas de atendimento a pessoas mais vulneráveis e em risco, como pessoas em idade avançada em casas de repouso, pessoas em situação de rua e migrantes que vivem em circunstâncias precárias, onde as taxas de mortalidade já alcançaram níveis extraordinários e chocantes.
“Em nossas visitas a casas de repouso, percebemos que faltam equipamentos básicos de proteção e que não há triagem para profissionais da linha de frente e residentes potencialmente infectados”, diz Caroline De Cramer, consultora médica de MSF para projetos na Bélgica. “É importante testar os moradores das casas de repouso o mais rápido possível. Eles são extremamente vulneráveis, porque estão duplamente em risco: devido à sua idade e à convivência comunitária nesses locais”.
As equipes de MSF também estão prestando atendimento a comunidades socialmente vulneráveis em outros locais como na cidade de São Paulo, no Brasil, onde são realizadas consultas médicas e triagem para detectar pessoas com COVID-19 entre pessoas em situação de rua, migrantes, refugiados, usuários de drogas e idosos. Os pacientes mais graves são encaminhados para hospitais.
Na Espanha, Itália, Bélgica e França a organização apoia as atividades médicas em diversos hospitais, sobrecarregados pelo alto número de pacientes de COVID-19. De acordo com necessidades específicas, o apoio abrange sessões de aconselhamento e treinamento sobre métodos de controle e prevenção de infecções à criação de alas para pacientes em recuperação e pacientes com sintomas moderados da doença.
MSF está atendendo pacientes em centros de tratamento de COVID-19 em Burkina Faso, República Democrática do Congo (RDC), Camarões, Costa do Marfim, Mali e Paquistão, e está estruturando instalações que serão voltadas para o atendimento de COVID-19 no Quênia, Líbano, Níger, Filipinas, Senegal, Síria e Iêmen, entre outros países que já sofrem com crises humanitárias. Essas unidades de saúde atenderão pacientes com formas moderada a grave da doença, incluindo aqueles que sofrem de problemas respiratórios agudos.
MSF também já designou uma unidade de produção de oxigênio para Burkina Faso, que poderá produzir o gás em grandes quantidades, para várias dezenas de pacientes ao mesmo tempo. Pacientes com sintomas graves de COVID-19 geralmente sofrem de hipóxia (baixos níveis de oxigênio no tecido corporal) e precisam de dosagens extra do elemento. Onde há pouca capacidade de terapia intensiva, um dos principais desafios é fornecer oxigênio o suficiente aos pacientes sem o uso de técnicas invasivas.
“O hospital Ponto G tem uma unidade de produção de oxigênio“, diz o dr. Idrissa Ouédraogo, coordenador médico de MSF no Mali. “Estamos trabalhando junto à administração do hospital para melhorar o fluxo de fornecimento de oxigênio da unidade de produção. Vamos instalar um sistema de abastecimento, com saída pela parede, para que, no novo prédio, o oxigênio possa ser fornecido diretamente no leito do paciente.”
Na maioria dos países em que há programas de Médicos Sem Fronteiras como na Colômbia, no Iraque e na Nigéria, novas alas foram montadas em unidades de saúde para ajudar a separar os pacientes de COVID-19 dos demais pacientes (a fim de evitar mais infecções) e ampliar a capacidade de atendimento dos hospitais.
“O objetivo inicial da nossa resposta é ajudar os hospitais a lidarem com pacientes suspeitos ou confirmados de COVID-19, garantir que sejam recebidos e acomodados adequadamente e tratados da melhor forma possível, mesmo sob as atuais circunstâncias, e impedir que o vírus se espalhe entre outros pacientes ou profissionais“, diz Shaukat Muttaqi, coordenador-geral de MSF no Iraque, onde MSF está apoiando hospitais em Mossul, Bagdá e Erbil.
Atividades similares estão sendo realizadas em todo o mundo. Na capital haitiana, Porto Príncipe, MSF reconfigurou um centro de atendimento de emergência existente para isolar e encaminhar pacientes com suspeita de COVID-19. No campo de refugiados de Nduta, na Tanzânia, onde MSF é a principal provedora de saúde a 73 mil refugiados do Burundi, estamos construindo áreas de triagem e isolamento em clínicas de saúde e no principal hospital de MSF no acampamento, para onde os pacientes com suspeita de COVID-19 serão encaminhados. Em Bangladesh, onde quase um milhão de refugiados rohingyas vivem em campos enormes no distrito de Cox’s Bazar, construímos alas e salas de isolamento dedicadas à COVID-19 em nossos hospitais de campo em diferentes locais. No total, a capacidade será de 300 leitos.
Amparar as pessoas para que se protejam e, assim, reduzir a transmissão
No mundo todo, a resposta à COVID-19 se baseou fortemente no confinamento da população e no distanciamento social, com o objetivo de reduzir a transmissão do novo coronavírus e impedir que os sistemas de saúde fossem sobrecarregados. No entanto, para as pessoas que dependem de atividades diárias para sobreviver, como diaristas, e aquelas que vivem em ambientes precários ou superlotados, o autoisolamento e o confinamento não podem ser colocados em prática. Em alguns lugares, centenas de milhares, às vezes até milhões, de pessoas vivem nessas condições, sem nenhuma rede de segurança social. É essencial fornecer às pessoas os meios e as ferramentas necessários para que elas possam se proteger e ajudar a proteger os outros.
“A maioria das recomendações de proteção contra o vírus, para conter a propagação, simplesmente não pode ser implementada em Idlib“, diz Cristian Reynders, coordenador-geral de MSF no noroeste da Síria. “Como pedir às pessoas que fiquem em casa para evitar a infecção? Onde está mesmo a casa delas? Estamos falando de quase um milhão de pessoas deslocadas – pelo menos um terço da população total de Idlib –, a maioria vive em tendas em acampamentos. Elas não têm mais casa.”
Para ajudar populações a se protegerem, as equipes de MSF estão realizando atividades de promoção de saúde, ou seja, de levar informações sobre a doença e prevenção, em praticamente todos os nossos projetos para que as pessoas entendam as medidas que podem ser tomadas para reduzir as chances de se contrair a COVID-19 e impedir a propagação do novo coronavírus. Sempre que possível, a organização distribui sabão e instalamos pontos de água para que as pessoas possam lavar as mãos regularmente. Essas medidas, e assistência adicional, como o fornecimento de máscaras de pano reutilizáveis, são ainda mais cruciais para pessoas em risco de desenvolverem complicações graves, incluindo idosos e pessoas com outras doenças como diabetes, hipertensão, câncer, HIV ou TB.
Por exemplo, no Uzbequistão, nossas atividades de promoção de saúde incluem mensagens específicas sobre tuberculose (TB) e COVID-19 para pessoas com TB e seus familiares. Na África do Sul, MSF realocou as equipes dos quatro projetos no país para a resposta à COVID-19. Os profissionais trabalham agora para limitar a propagação do vírus por meio do rastreamento de contatos (pessoalmente e por telefone) e desenvolvendo e distribuindo materiais de promoção de saúde. As equipes também estão amparando solicitantes de asilo em situação de vulnerabilidade social e idosos em situação de rua, principalmente em locais de confinamento para onde autoridades obrigaram pessoas sem-teto a se mudar, a fim de mitigar o impacto do confinamento nacional de 21 dias.
Na Libéria, as equipes de MSF estão distribuindo sabão, enquanto na capital do Mali, Bamako, onde já houve casos confirmados, e em campos da Síria, do México, da Nigéria e da Grécia estamos construindo pontos de água para que as pessoas possam lavar as mãos e tenham água potável para beber.
Em Burkina Faso, Costa do Marfim, Mali, Níger e África do Sul, MSF começou a produzir máscaras de pano para uso nas comunidades em algumas regiões desses países. As máscaras podem ser feitas localmente e, embora não sejam as mesmas exigidas para a equipe médica, podem ajudar a impedir a transmissão do vírus se usadas adequadamente e desde que as mãos sejam lavadas frequentemente e que o distanciamento físico seja respeitado o máximo possível nas circunstâncias respectivas.
Mantendo serviços essenciais em funcionamento
Diante de um possível fluxo intenso de novos pacientes, os países com sistemas de saúde já frágeis, com equipe de saúde reduzida e infraestrutura precária, podem entrar em colapso rapidamente e o impacto pode ser desastroso. Se a oferta de atendimento médico não for sustentada, doenças comuns da infância – e fatais –, como sarampo, malária e diarreia, não seriam tratadas. Outros serviços essenciais que comumente prestamos, como cuidados sexuais e reprodutivos, pronto-socorro, cuidados maternos, cirurgias e tratamento para pessoas com HIV ou TB, não poderiam mais ser oferecidos. Isso teria um impacto terrível sobre os pacientes que atendemos e certamente aumentaria o número de mortes nas comunidades.
Nas centenas de unidades de saúde que MSF trabalha em todo o mundo, nossas equipes vêm implementando medidas de controle de infecções e reorganizando serviços para impedir a transmissão. Por exemplo, agora, nas consultas, os médicos mantêm distâncias seguras dos pacientes e algumas alas de hospitalização foram redesenhadas para respeitar o espaço indicado entre cada leito. As unidades de saúde têm corredores ou caminhos específicos, para separar os pacientes com suspeita de COVID-19 de outros pacientes. No Níger, em vez de fazer com que as pessoas se desloquem até centros de saúde quando estão com sintomas da malária, os agentes comunitários de MSF vão até elas para ajudar a diagnosticá-las. No Quênia, MSF adaptou o modelo de cuidados a pessoas com HIV: agora, os medicamentos antirretrovirais são fornecidos em lotes de três meses, para que as pessoas não precisem ir aos centros de saúde com tanta frequência. Na África do Sul, as equipes de MSF estão assegurando que pessoas com HIV ou TB recebam diretamente em suas casas os refis de medicamentos dos quais precisam.
No mundo todo, de Camarões à RDC, até El Salvador, Nigéria, Sudão ou Iêmen, as equipes de MSF estão treinando e apoiando autoridades locais de saúde em métodos de controle e prevenção de infecções e detecção e triagem de pacientes suspeitos de COVID-19, para impedir que as instalações de saúde disseminem o vírus.
“Dar continuidade às nossas atividades médicas em regiões que já enfrentam grandes necessidades de saúde é uma prioridade absoluta para MSF”, explica Albert Viñas, coordenador de emergência de MSF em Camarões. O surto de COVID-19 em Camarões representa um desafio adicional para um país marcado pela violência que deslocou centenas de milhares de pessoas. “As atividades contra a COVID-19 exigem recursos materiais e humanos extras, diante de uma situação em que os movimentos globais de pessoas e bens se tornaram muito, muito difíceis. Mas nossas equipes estão trabalhando o tempo todo para continuar realizando atividades regulares que salvam vidas, enquanto respondem a esse novo surto.”
Alguns projetos precisaram ser suspensos por causa das novas restrições vinculadas à COVID-19, como o programa de cirurgia pediátrica de MSF na Libéria, que recebia casos críticos de crianças que precisavam de cirurgia. O projeto foi suspenso em decorrência das restrições de viagens impostas para limitar a propagação da COVID-19, o que impossibilitou a substituição do cirurgião pediátrico, que partiu no fim de março. Também foram suspensas as atividades que não são emergenciais como cirurgias eletivas, e outras foram redefinidas para reduzir os riscos para pacientes e profissionais. No Paquistão, por exemplo, foi suspenso o tratamento de leishmaniose cutânea como uma medida temporária para evitar a disseminação da COVID-19 na região. Outro exemplo é a cirurgia reconstrutiva em um hospital de referência de MSF na Jordânia para feridos de guerra no Oriente Médio. A instalação prosseguiu com o tratamento dos 170 pacientes internados, mas não está mais aceitando novas admissões.
Apesar dessas restrições, as equipes de MSF em todos os países onde a organização mantém projetos estão trabalhando ao máximo para encontrar maneiras de manter o funcionamento na plena capacidade possível do trabalho médico que salva vidas, enquanto os projetos e as equipes se adaptam aos múltiplos e sérios desafios que a pandemia de COVID-19 apresenta.