•  domingo, 24 de novembro de 2024

Fapesp: Resultados de estudo podem orientar prática de exercício físico por hipertensos

Pesquisadores da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE-USP) compararam o efeito de duas classes bastante usadas de medicamentos anti-hipertensivos sobre um fenômeno conhecido como hipotensão pós-exercício – queda esperada e benéfica da pressão arterial que é induzida pela prática de exercícios físicos, principalmente quando feita no fim do dia.

Segundo os autores, os resultados do estudo poderão ajudar profissionais de saúde a adequar o horário do treino de pacientes hipertensos à classe de fármaco usada no tratamento, potencializando o benefício para o controle da doença. A estratégia pode ser vantajosa principalmente no caso de pacientes que respondem mal ao tratamento farmacológico da hipertensão arterial.

“Indivíduos com a chamada hipertensão resistente – que tomam três ou mais tipos de droga, incluindo preferencialmente um diurético, ou quatro ou mais tipos de droga sem atingir o controle adequado – se beneficiariam de um ajuste no horário do exercício, o que precisa ser confirmado por estudos futuros”, afirma à Agência Fapesp Leandro Campos de Brito, educador físico e pós-doutorando bolsista Fapesp no Laboratório de Hemodinâmica da Atividade Motora da EEFE-USP, sob a supervisão da professora Cláudia Lúcia de Moraes Forjaz.

Metodologia

No trabalho, realizado com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, os cientistas compararam o efeito dos bloqueadores de receptores da angiotensina 2 (BRAs) e dos inibidores da enzima conversora de angiotensina (iECAs), em sessões de exercício realizadas de manhã e à noite.

No grupo que tomava medicamentos da classe BRA, a queda média foi de 11 milímetros de mercúrio (mmHg) à noite e 6mmHg pela manhã. Já o dos iECA, a queda média foi de 6mmHg e 8mmHg, respectivamente. Ou seja, uma diferença de quase 50% nos valores vespertinos, enquanto nos matutinos houve diminuição semelhante nos dois grupos.

Os dados foram publicados no periódico Clinical and Experimental Hypertension. “Nossa hipótese era de que os iECAs atenuariam a magnitude da hipotensão pós-exercício, principalmente à noite. E, de fato, observamos que os iECAs, mas não os BRAs, atenuaram o efeito hipotensor do exercício esperado à noite”, comenta Brito.

Para chegar a essa conclusão, 29 homens hipertensos, que tomavam havia pelo menos quatro meses apenas uma das classes, foram submetidos a dois testes de esforço máximo – neste caso, o uso de bicicleta ergométrica com incrementos de 15 watts por minuto até a exaustão. As sessões, realizadas de manhã, entre 7h e 9h, e à noite, entre 20h e 22h, ocorreram em dois dias diferentes (intervalo de três a sete dias entre cada uma) e a ordem foi aleatorizada. Além disso, os avaliadores não sabiam qual medicamento cada voluntário estava tomando.

Os pesquisadores aferiram a pressão arterial antes e 30 minutos depois dos exercícios.

Medicamentos

Os dois medicamentos estudados, BRA e iECA, agem na mesma via da hipertensão, regulando a angiotensina 2, hormônio de ação vasoconstritora – isto é, contrai os vasos sanguíneos e, portanto, induz aumento da pressão arterial. Só que os mecanismos são diferentes. “Costumo dizer que são duas avenidas correndo em paralelo”, explica Brito.

Enquanto o BRA bloqueia o receptor do hormônio nos vasos, o iECA atua inibindo a enzima responsável por converter a angiotensina 1 para a angiotensina 2. “Um permite o comportamento natural de 24 horas da angiotensina 2, mas bloqueia sua ação, enquanto o outro inibe esse comportamento”, resume Brito.

“Além disso, ao inibir essa enzima, o iECA cronicamente favorece outro caminho, que gera bradicinina e angiotensina 1-7, duas substâncias vasodilatadoras. Com a vasodilatação já facilitada pelo medicamento, isso poderia diminuir o efeito vasodilatador do exercício aeróbico, principal mecanismo causador da diminuição da pressão arterial quando o treinamento é realizado à noite”, explica.

Justamente por isso se esperava que essa classe atenuasse a hipotensão pós-exercício, principalmente no fim do dia. O mecanismo para justificar essa diferença não foi avaliado na investigação.

Influência do horário

O trabalho é uma parte da pesquisa principal do doutorado de Brito, que avaliou o efeito de 10 semanas de treinamento aeróbico em diferentes horários e concluiu que, à noite, os resultados eram melhores. “Nesse estudo, comparamos hipertensos medicados que faziam exercícios de manhã e os medicados que praticavam no período noturno”, relata.

Esse é um campo que tem ganhado atenção da ciência, pois as variações são significativas conforme avança o ponteiro do relógio. “Nosso organismo é guiado pelo ciclo circadiano e com a pressão arterial não é diferente. Os mecanismos que a reduzem estão mais ativos à noite, como preparação para o repouso, enquanto os que a elevam ficam mais ativos de manhã, quando acordamos”, explica o pesquisador.

“Ou seja, nossa teoria é a de que a noite é uma janela de oportunidade para atingir reduções mais significativas”, destaca Brito.

Efeitos duradouros

Todas as pessoas que realizam atividades físicas aeróbicas podem experimentar algum nível de hipotensão pós-exercício, mas nos hipertensos esse declínio é muito mais significativo. “Há uma média de 8 a 10mmHg de redução na pressão sistólica e 4 a 6mmHg na diastólica, sem a presença de sintomas negativos como enjoo, ânsia e tontura”, aponta Brito.

Uma sessão de exercício já é o suficiente para obter algum nível de proteção cardiovascular, pois estudos já demonstraram que a redução pode durar o dia todo. “Mais do que isso, alguns grupos de pesquisa entendem que cada sessão de exercício funciona como um tijolinho em uma parede, que leva a um efeito benéfico crônico do treinamento”, continua o pesquisador.

Em 2018, Brito e outros pesquisadores publicaram no Journal of the American Society of Hypertension uma revisão que favorece essa hipótese.

Aplicação prática

Uma das vantagens do trabalho é o fato de que os participantes já tomavam os medicamentos havia bastante tempo, o que possibilitou ao grupo fazer a análise no contexto clínico usual dos pacientes. “Outras pesquisas nessa linha foram feitas no modelo washout, quando o paciente fica um tempo sem o remédio”, diz Brito.

Outro ponto positivo é o fato de que, quando foi feito o teste, o cientista que fez as medidas de pressão não sabia qual medicamento o voluntário estava tomando. Isso ajuda a dar credibilidade ao achado e favorece sua transferência da teoria para a prática.

O artigo (em inglês) pode ser lido em www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/10641963.2020.1783546.

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