Com a volta ao trabalho presencial, tutores devem ficar atentos com a saúde dos pets
Depois de meses de interação intensa, animais podem desenvolver ansiedade de separação pós-quarentena
Com a flexibilização da quarentena, além das preocupações que envolvem a volta ao trabalho, como aglomerações e o perigo da contaminação em meio à pandemia da Covid-19, a atenção com relação aos pets também deve ser redobrada. Isso porque, depois de um longo período em companhia de seus tutores, os animais podem sofrer por ansiedade de separação.
“Esse é um problema que muitos pets vão vivenciar, principalmente os que desenvolvem o que chamamos de hipervínculo afetivo. Sabemos que o vínculo afetivo existe, a relação humana com os animais é muito forte, mas neste momento isso pode trazer consequências muito importantes na questão comportamental”, enfatiza a médica-veterinária Cristiane Schilbach Pizzutto, presidente da Comissão Técnica de Bem-estar Animal (CTBEA) do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP).
De acordo a zootecnista Paola Rueda, especialista em Bem-estar Animal e membro da CTBEA do CRMV-SP, com a quebra deste contato freqüente, proporcionado pelo isolamento social, tanto o animal como o tutor podem sofrer pela separação. A especialista destaca que os sintomas de ansiedade de separação em cães envolvem a destruição de móveis e objetos e, algumas vezes, até a automutilação na ausência do tutor.
“Observam-se também sinais fisiológicos como salivação, aumento do batimento cardíaco e respiratório, e quadros de pânico. É uma situação complexa e que merece cuidados. Segundo estudo da Universidade Federal de Juiz de Fora, em gatos os sinais da ansiedade de separação foram identificados como comportamento destrutivo, vocalização excessiva, inadequação da eliminação da urina e depressão-apatia”, afirma Paola.
O zootecnista Alexandre Rossi, especialista em comportamento animal e membro da CTBEA do CRMV-SP, lembra que esse fenômeno costuma acontecer quando as pessoas tiram férias ou ficam desempregadas por um longo período. O especialista alerta que, mesmo cães saudáveis, podem apresentar ansiedade de separação, por serem extremamente sociáveis e gostarem muito da companhia das pessoas.
“Os comportamentos mais comuns são os instintivos de reunir o grupo ou de tentar encontrar os outros. Por exemplo, uivar para chamar o grupo, cavar a porta para tirar o obstáculo do caminho, chorar, latir, fazer xixi e cocô em locais que chamem a atenção, como sofás e camas. Tudo isso serve para chamar a atenção do grupo de forma auditiva ou olfativa”, explica Rossi, alertando para o fato de que existem casos em que os cães simplesmente não aceitam ouvir a palavra tchau e atacam até mesmo visitas, outros latem tentando ir junto e alguns chegam a ficar deprimidos e perdem a vontade de comer, beber água, brincar, e, às vezes, até deixam de fazer suas necessidades.
Como minimizar a ausência
Mas se a volta ao trabalho é inevitável, o que fazer para que a ausência do tutor não se transforme em uma rotina estressante para os animais? Para minimizar o impacto da falta do tutor e deixar o pet confortável em sua ausência, segundo o especialista em comportamento animal, existem vários protocolos que podem ser utilizados, que normalmente envolvem acostumá-los a pequenas separações no dia a dia, aumentar a quantidade de exercício e atividade física e criar atividades com brinquedos interativos ou enriquecimento ambiental.
“Nos casos mais extremos, a terapia comportamental pode ser feita em conjunto com uma terapia medicamentosa. Tudo vai depender da gravidade do caso e da resposta ao tratamento. Os comportamentos compulsivos podem ser ‘viciantes’ e quanto antes controlá-los, melhor”, afirma Rossi.
A presidente da CTBEA alerta que é muito importante que não se espere a volta à rotina normal para diminuir o hipervínculo tutor/animal. A recomendação é que sejam criados momentos de isolamento do tutor em relação ao pet ainda durante o home Office. Trancando- se no quarto, por exemplo, para ler um livro ou indo tomar banho sem deixar o cachorro ou o gato entrar. É preciso criar essas situações de isolamento para o animal entender que o tutor não está por perto. Outra recomendação é vestir-se com certa frequência como se fosse sair para que o animal perceba que essa rotina vai começar a ser retomada.
“Uma das técnicas que a gente tem preconizado para as pessoas é que elas comecem a desenvolver alguns enriquecimentos mais sensoriais e menos sociais. Os sociais envolvem a relação intensa, brincadeiras e interação com o animal. Já as sensoriais são quando o tutor oferece enriquecimentos olfativos, alimentares, mas deixa o animal interagir sozinho e permanece distante”, afirma Cristiane, lembrando que quando só há um animal na casa, ele pode passar a frequentar, algumas vezes por semana, hotéis ou o serviço de daycare, lugares onde ele possa se socializar com outros animais e até minimizar o estresse da ausência do tutor com o retorno da rotina normal.
Cristiane destaca que os gatos muito ligados ao tutor também intensificaram esse relacionamento durante a quarentena, por isso, é preciso também se isolar do animal por alguns períodos. “E o gato mais individualista, que gosta da tranquilidade, de repente, com todo mundo em casa o tempo todo, pode ter ficado estressado e, nesse caso, a volta à rotina pode acalmá-lo. Tudo depende bastante do animal.”
Paola concorda que as atividades lúdicas auxiliam para minimizar o impacto no pet, até porque ausência de pessoas e falta do que fazer são a combinação perfeita para a ansiedade de separação se manifestar. “Uma ideia é dar ao seu cão um brinquedo recheado com algo realmente saboroso, pode até ser congelado para que ele leve mais tempo para comer. O ideal é retirar esses brinquedos especiais assim que voltar para casa, para que seu cão só tenha acesso a eles quando estiver sozinho. Este método funciona bem para casos leves”, ressalta a especialista em BEA.
O adestramento também pode ser uma boa saída para auxiliar na retomada da rotina. Rossi lembra que adestrar é fundamental, ensinar o comando “fica” possibilita que o tutor treine essas pequenas separações no dia a dia dentro de casa mesmo, por exemplo, pedindo para o cão esperar no sofá da sala, enquanto vai pegar um copo de água. “O treino também melhora muito a comunicação e as pessoas percebem que estavam reforçando comportamentos errados, como entrar na casa quando o cão começa a latir”, conclui.
Dicas para ajudar na volta à rotina
– Os casos moderados ou graves de ansiedade de separação requerem um programa mais complexo de dessensibilização e contra-condicionamento. Acostume gradualmente o cão a ficar sozinho, começando com separações curtas que não produzam ansiedade, aumentando gradualmente a duração das separações com sessões diárias.
– Crie um ambiente seguro para o animal, com uma caminha confortável e segura, evite deixá-lo na lavanderia com a máquina de lavar ligada. Se o animal for muito sensível, cada movimento da máquina irá assustá-lo e pode ser um gatilho.
– Dê ao seu cão pelo menos 30 minutos de atividade aeróbica, diariamente, pode ser uma caminhada ou brincadeiras de caçar a bolinha. Tente exercitar seu cão antes de deixá-lo sozinho, isso pode ajudá-lo a relaxar e descansar enquanto você estiver fora.
– Todas estas dicas são aplicáveis aos gatos, lembrando que normalmente eles ficam melhor sozinhos durante o dia porque é um período de menor atividade. Mas se você trabalha à noite, pode aplicá-las.
– Cada animal é um indivíduo, tente todas as dicas porque algumas podem funcionar melhor do que outras em seu animal.
– Não faça festa, nem dê bronca ao chegar em casa, essas duas atitudes ou até a combinação delas vão aumentar a ansiedade do cão nas próximas separações. O ideal é chegar e sair naturalmente, só dando atenção ao pet quando ele se acalmar.
– Retome a alimentação e passeios diários na hora de costume e trabalhe essas questões de se ausentar de forma gradativa, não deixe para fazer tudo de última hora para que os animais sintam o menos possível.
– Caso os quadros comportamentais se agravem e, mesmo aplicando todas essas dicas, procure um médico-veterinário comportamentalista que possa auxiliá-lo.