Cientistas da USP investigam estratégias para combater a atrofia muscular
Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) demonstraram, pela primeira vez, que estimular a expressão de uma proteína naturalmente produzida pelo corpo humano pode ser uma estratégia para combater a perda de massa muscular esquelética – um processo natural do envelhecimento que pode ser intensificado em casos de doenças neurodegenerativas, inflamatórias ou de indivíduos que precisam passar longos períodos internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs).
Estima-se que dez dias de permanência em UTI resultem na perda de até 20% da massa muscular de membros inferiores e também de músculos respiratórios importantes, como o diafragma. Para esses casos, há uma carência de tratamento medicamentoso. Além da fisioterapia, exercícios respiratórios e técnicas de eletroestimulação, não existe nenhuma droga, sem graves efeitos colaterais, que possa de fato reverter o problema.
“Conseguimos demonstrar que, quando a proteína quinase A (PKA) foi superexpressa no músculo do camundongo, ocorreu um aumento significativo da resistência à fadiga muscular. Isso acontece porque a PKA, além de suprimir a atividade de FoxO, uma proteína ativadora de genes associados à atrofia, consegue aumentar a formação de fibras musculares com maior potencial oxidativo [maior capacidade respiratória], promovendo assim hipertrofia e maior resistência à fadiga naquele músculo específico”, diz à Agência Fapesp Luiz Carlos Navegantes, professor do Departamento de Fisiologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP e coautor de artigo publicado na revista Faseb J.
Apoio
O achado, resultado de estudo apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), confere novo direcionamento à busca por fármacos que protejam os músculos da perda de massa muscular sem provocar efeitos colaterais graves – como a hipertrofia do músculo cardíaco, taquicardia, infarto e até a morte.
“O papel benéfico da PKA no músculo, que é o de estimular o anabolismo e a força, é único entre todas as proteínas conhecidas, o que a torna um alvo estratégico e objeto de estudo para o combate a doenças neuromusculares e situações patológicas que levam à fraqueza e atrofia muscular”, afirma.
Relação metabólica
Há 23 anos, o grupo de pesquisadores da FMRP-USP liderado pela professora Isis do Carmo Kettelhut descobriu que o hormônio adrenalina, além de promover a quebra de fontes energéticas, como lipídios e carboidratos, inibia também a degradação das proteínas que formam as fibras musculares.
“Isso foi uma mudança de paradigma, pois a adrenalina foi sempre vista como um hormônio mobilizador de energia e não como um hormônio capaz de evitar a quebra excessiva de proteínas, que seria catastrófica, sobretudo daquelas que mantêm a contração dos músculos”, destaca Navegantes.
Desde a descoberta da ação protetora da adrenalina nos músculos, o grupo de pesquisadores vem investigando o potencial terapêutico de drogas semelhantes ao hormônio (simpatomiméticos), no entanto, sem conseguir contornar os efeitos colaterais.
“Preservar as proteínas musculares é o que todo mundo quer, desde o atleta que deseja ganhar massa, até o paciente que precisa do diafragma para continuar respirando normalmente. Porém, essas drogas podem ter efeitos prejudiciais ao organismo e até serem fatais por causa da hipertrofia cardíaca”, diz.
Proteção
Navegantes ressalta que o principal problema relacionado ao uso de adrenalina sintética ou simpatomiméticos é que essas substâncias têm ação sistêmica e seus efeitos não podem ser direcionados para a proteção de um único músculo.
Foi o que provou outro estudo do grupo, no qual o simpatomimético formoterol foi testado no tratamento crônico de perda de massa e fadiga muscular. Em artigo publicado na revista Cachexia, Sarcopenia and Muscle, os pesquisadores descreveram os efeitos dessa droga, comumente utilizada no tratamento de asma, mostrando que era também capaz de promover o crescimento muscular e potencializar a força dos músculos esqueléticos.
“O músculo crescia basicamente por dois mecanismos: pela ação direta da droga inibindo a degradação de proteínas e pelo aumento da secreção de insulina, um hormônio anabólico bastante conhecido. No entanto, apesar de serem extremamente interessantes para o combate à atrofia e já terem sido adotados na clínica médica, os simpatomiméticos podem causar efeitos colaterais indesejáveis, sobretudo hipertrofia cardíaca, o que torna perigoso seu uso crônico”, diz.
Ação direcionada
O estudo com a proteína PKA surgiu como uma possibilidade de contornar o problema por meio da transferência gênica seletiva, ou seja, de ativar apenas um músculo específico.
“Já era sabido que a PKA é ativada pela adrenalina e, portanto, está relacionada à quebra de lipídios e carboidratos, que são nossas fontes de energia. No entanto, a PKA fica dentro da célula muscular e a adrenalina é um hormônio circulante. Foi essa diferença que nos possibilitou direcionar o efeito da PKA para um determinado músculo do camundongo”, diz.
Navegantes ressalta que, para a adrenalina inibir a degradação muscular – e também quebrar lipídios e carboidratos –, é preciso ativar a PKA. Dessa forma, a adrenalina se acopla a um receptor da membrana celular e envia um sinal que leva à estimulação da PKA no citosol (líquido que preenche o citoplasma). Entre os diversos efeitos finais mediados pela PKA ocorre, dentro do núcleo da célula, a supressão dos genes ligados à atrofia.
Para avaliar os efeitos da proteína em um único músculo dos camundongos, os pesquisadores utilizaram uma técnica de interferência gênica seletiva (eletroporação) para ativar genes associados à produção da proteína PKA de forma direcionada, e não em todas as células do organismo.
Técnica
Com essa técnica, por meio de um pulso elétrico, se introduz no músculo do animal vivo um plasmídeo, que se incorpora e modifica o DNA da fibra muscular. O método foi aprendido pelo doutorando Dawit Albieiro Pinheiro Gonçalves durante estágio de pesquisa realizado na Itália, com apoio da Fapesp.
“É uma técnica utilizada para comprovar hipóteses no animal vivo. Ela consiste em dar um pulso elétrico no músculo estudado e, com isso, introduzir um plasmídeo que funciona como um vetor capaz de modificar os genes [por edição genética] nas células daquele músculo específico, produzindo assim determinadas proteínas de interesse, no caso, a PKA. Com isso, é possível interferir seletivamente em um músculo esquelético específico, sem alterar os outros tecidos do animal”, explica Navegantes.
A intervenção aumentou a conversão de fibras de potencial oxidativo, melhorando consideravelmente a resistência do músculo à fadiga muscular. “A superexpressão da PKAcat [subunidade catalítica da PKA] aumentou a conversão de fibras de potencial oxidativo e melhorou muito a resistência do músculo à fadiga muscular. Quando fizemos o contrário, ou seja, eletroporação com uma molécula chamada de PKI, que inibe a PKA endógena, observamos que houve ativação de genes relacionados à atrofia e redução da área das fibras musculares”, afirma.
A descoberta da ação da proteína na proteção das fibras musculares permite a investigação de novos fármacos. “Conseguimos provar pela eletroporação que a PKA endógena inibe a perda de massa muscular. Nosso objetivo agora é estudar fármacos que ativem a PKA e também realizar, por meio de parceria, estudos em modelos clínicos e experimentais de envelhecimento e doenças neurodegenerativas”, diz.
O artigo (em inglês) pode ser lido em https://faseb.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1096/fj.201902102RR.