‘Brasil já está na 2ª onda de Covid-19’, diz pesquisador da USP
- 19 de novembro de 2020
- Saúde
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“O Brasil já está na segunda onda de Covid-19.”
O alerta vem do pesquisador Domingos Alves, responsável pelo Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto.
Alves vem acompanhando há oito meses os dados da pandemia brasileira como um dos responsáveis pelo portal Covid-19 Brasil, que reúne dezenas de especialistas de diferentes áreas em torno da produção de estatísticas e análises da propagação do novo coronavírus no país.
Sua avaliação de que o Brasil está vivendo, assim como os Estados Unidos e a Europa, uma nova onda de contágios se baseia na evolução da taxa de reprodução (Rt) do coronavírus no país, que indica que a pandemia voltou a crescer por aqui.
Essa taxa é calculada com base no aumento de novos casos e permite saber quantas pessoas são contaminadas por alguém que já está infectado.
Se o índice fica acima de 1, isso indica que a pandemia está se expandindo. Quando está abaixo, é um sinal de que a pandemia está perdendo intensidade.
No caso do Brasil, a taxa era de 1,12 em 16 de novembro, de acordo com o Observatório de Síndromes Respiratórias da Universidade Federal da Paraíba.
Isso significa que 100 pessoas irão infectar outras 112, que, por sua vez, irão infectar outras 125. Assim, a epidemia brasileira cresce exponencialmente.
Na mesma data, a Rt estava acima de 1 em 20 estados (Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe e Tocantins) e no Distrito Federal.
A situação estava mais crítica no Paraná, onde a taxa era de 1,62. Já em Santa Catarina a Rt está acima de 1 há mais tempo: desde 14 de outubro.
Alves também analisou a média móvel da Rt, que é calculada com base nos 14 dias anteriores.
“É importante a gente olhar a média móvel porque isso indica que não se trata apenas de uma flutuação do índice, mas que há uma tendência concreta de alta ou queda”, diz o pesquisador.
Neste caso, em 16 de novembro, o valor no Brasil era de 1,06. Na mesma data, a média móvel da Rt estava acima de 1 em 16 estados (Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina e São Paulo).
De novo, o maior índice era o do Paraná (1,34), mas o do Acre (1,32) estava quase tão alto quanto.
O Espírito Santo era o estado onde a média móvel da Rt estava acima de 1 há mais tempo, desde 20 de setembro. Mas Santa Catarina também se destacava, com uma média móvel de Rt acima de 1 desde 8 de outubro.
Média de novos casos também voltou a crescer
A média móvel da Rt do Brasil está acima de 1 desde o dia 11 de novembro. Ou seja, há quase uma semana. O índice não ultrapassava esse patamar desde o dia 10 de agosto.
Em outras palavras, depois de três meses de contração, a pandemia voltou a crescer no país, caracterizando a segunda onda identificada por Alves.
Isso se reflete claramente no monitoramento da média móvel de novos casos registrados no país feito pelo Covid-19 Brasil.
Essa taxa vinha apresentando uma tendência de queda desde meados de agosto e atingiu seu menor valor desde então em 6 de novembro, com 13.644 de novos casos.
Então, voltou a subir. Em 16 de novembro, a média móvel ficou em 28.425 novos casos, um aumento de 208% em questão de dez dias.
É a mesma situação enfrentada por Estados Unidos e Europa, onde a propagação do coronavírus voltou a se intensificar nas últimas semanas.
“Nossa segunda onda vai ser mais parecida com a dos EUA do que com a da Europa, porque a Europa conseguiu controlar de verdade a transmissão, que voltou com força depois do verão, quando as pessoas foram viajar e trouxeram novas cepas do vírus para casa”, afirma Alves.
Já nos EUA e no Brasil, não houve um real controle da pandemia, na avaliação do pesquisador, o que gerou quase uma sobreposição entre as ondas de contágio.
“Nunca conseguimos controlar a transmissão comunitária“, diz o cientista da USP, em referência ao estágio de uma epidemia em que um vírus circula livremente entre a população.
Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) comentou sobre a possibilidade de o país enfrentar uma segunda onda de contágios.
“E agora tem a conversinha de segunda onda. Tem que enfrentar se tiver (segunda onda). Se quebrar de vez a economia, seremos um país de miseráveis”, disse ele na sexta-feira (13/11) ao deixar o Palácio da Alvorada.
Subnotificação pode ocultar realidade ainda mais grave
Domingos Alves diz que a situação na realidade pode ser ainda mais grave do que o que mostram os dados oficiais.
“Desde meados de setembro, o problema da subnotificação vem se agravando, porque estão sendo feitos menos testes, e, entre os que são realizados, são cada vez menos os de PCR, que são mais precisos, e mais testes rápidos, que dão muito falso negativo (exames que falham em constatar que a pessoa está contaminada)”, afirma o pesquisador.
Alves afirma que esses números devem se traduzir em um maior número de internações, como já vem ocorrendo em São Paulo.
“É de se esperar um aumento significativo nestes estados nas próximas duas semanas”, afirma ele. “A tendência é o quadro piorar muito.”
Tudo dependerá de como as autoridades brasileiras vão lidar com a nova leva de casos que já começam se refletir nas estatísticas.
“Quando veio a primeira onda, o cenário era o mesmo: os casos estavam se multiplicando na Europa e nos EUA e sabíamos que ia chegar aqui, mas ficamos enxugando gelo, não tomamos as medidas adequadas e tivemos que fechar tudo”, afirma o cientista.
“De novo, sabemos o que vai acontecer com a gente ao ver os EUA e a Europa. Não é uma questão de se, é uma questão de quando.”
Agora, diz Alves, o país já tem uma experiência acumulada sobre como lidar com a pandemia e exemplos de o que funciona melhor para conter a disseminação do coronavírus.
Ele defende a testagem em massa e o rastreamento das pessoas com quem os infectados entraram em contato para isolar todas para quebrar a cadeia de transmissão.
“Só assim vamos conseguir reverter essa segunda onda e não ter que fechar tudo de novo.”