STJ afasta Wilson Witzel do governo do RJ e manda prender Pastor Everaldo
O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), foi afastado do cargo nesta sexta-feira (28) em decisão monocrática do ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em meio a uma investigação sobre irregularidades na área da Saúde. O órgão também mandou prender o presidente do PSC, Pastor Everaldo.
A Polícia Federal foi acionada nesta manhã para cumprir as determinações do STJ na Operação Tris in Idem, um desdobramento da Operação Placebo, que investiga corrupção em contratos públicos do Executivo fluminense. Entre os alvos, estão o governador do RJ, o vice-governador Cláudio Castro (PSC) e o presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), André Ceciliano (PT).
Witzel não será preso. Com o afastamento dele – com validade inicial de 180 dias –, quem assume o governo do estado é o vice Cláudio Castro. Aos 41 anos, ele é advogado, católico, autor de dois álbuns de música católica e o mais jovem vice-governador do RJ desde a redemocratização. Existe a possibilidade, no entanto, de que o vice nem assuma, devido à situação complicada dele. O mesmo para André Ceciliano, o terceiro da fila. Nesse caso, quem poderá assumir é o presidente do TJ-RJ, como informa a analista de política Thais Arbex.
Operação Tris in Idem
Os policiais federais cumprem 16 mandados de prisão (nenhum contra Wilson Witzel), sendo 6 preventivas e 10 temporárias, e 82 mandados de busca e apreensão na Operação Tris in Idem.
O STJ determinou a prisão preventiva do empresário Mário Peixoto, Alessandro de Araújo Duarte, Cassiano Luiz da Silva, Juan Elias de Paula, Gothardo Lopes Netto, médico e ex-prefeito de Volta Redonda, e Lucas Tristão do Carmo, ex-secretário de Desenvolvimento Econômico.
Além do Pastor Everaldo, o STJ expediu mandados de prisão temporária (de cinco dias, que podem ser prorrogados) para Filipe de Almeira Pereira (filho do presidente do PSC), Laércio de Almeida Pereira, Victor Hugo Amaral Cavalcante Barroso, Edson da Silva Torres, Iran Pires Aguiar, José Carlso Melo, Carlos Frederico Loretti da Silveira, Cláudia Alves França e Roberto Bertholdo.
Os mandados de busca e apreensão são cumpridos no Palácio Laranjeiras (residência oficial do governador do RJ) e contra a primeira-dama do RJ, Helena Witzel, no Palácio Guanabara (sede do governo do RJ), na residência do vice-governador, na Alerj, além de outros endereços nos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, São Paulo, Alagoas, Sergipe e Minas Gerais e no Distrito Federal.
De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), também está sendo alvo de busca e apreensão um endereço no Uruguai, local onde estaria um dos investigados cuja prisão preventiva foi decretada.
A ação da PF desta sexta é realizada por procuradores do MPF, policiais federais e auditores da Receita Federal.
Prisão de Witzel é considerada desnecessária
O pedido de prisão de Witzel, feito pelo MPF, não foi acolhido pelo ministro Benedito Gonçalves, que entendeu ser suficiente o seu afastamento do cargo para fazer cessar as supostas atividades de corrupção e lavagem de dinheiro.
O governador deixa de ter poder para liberação de recursos e contratações, em tese, fraudulentas. Além disso, a decisão do STJ proíbe o acesso de Witzel às dependências do governo e a sua comunicação com funcionários e utilização dos serviços.
Esquema de corrupção
O MPF informou que, a partir da eleição de Wilson Witzel, “estruturou-se no âmbito do governo estadual uma organização criminosa, dividida em três grupos, que disputavam o poder mediante o pagamento de vantagens indevidas a agentes públicos”.
Liderados por empresários, esses grupos lotearam algumas das principais pastas estaduais, como a Secretaria de Saúde, “para implementar esquemas que beneficiassem suas empresas”.
A estratégia repetiria o esquema criminoso praticado pelos dois últimos governadores fluminenses, Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão, informou o STJ.
O principal mecanismo utilizado pelos grupos para captar recursos financeiros era “por meio do direcionamento de licitações de organizações sociais (OSs), mediante a instituição de uma ‘caixinha de propina'” abastecida por OSs e seus fornecedores, explicou o MPF.
Uma das operações suspeitas é a contratação da organização social Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (Iabas), para administrar hospitais de campanha idealizados para atender pacientes com Covid-19. As investigações apontam que a OS tem relação com um dos grupos que controlam a saúde no Rio de Janeiro, contribuindo também com a chamada “caixinha da propina”.
Segundo a Polícia Federal, a operação desta sexta busca desarticular essa “organização criminosa voltada ao desvio de recursos públicos, especialmente em contratos firmados para gestão de saúde e para o combate à pandemia da Covid-19”. Também foram identificados indícios de lavagem de dinheiro por parte do grupo.
A denúncia do MPF ainda cita pagamentos feitos por empresas ligadas a Mário Peixoto ao escritório de advocacia de Helena Witzel. A mulher do governador do RJ teria recebido pagamentos da companhia da família de Gothardo Lopes Netto – que é proprietária do Hospital Infantil e Maternidade Jardim Amália Ltda, maior unidade de saúde privada do município.
Um e-mail escrito por Witzel, que consta na decisão STJ, foi apreendido pela PF durante a primeira etapa da Operação Favorito, em maio. Nele, o governador orienta Lopes Netto a redigir um contrato com o escritório de Helena Witzel. O MPF afirma que a contratação do escritório dela, na verdade, era uma forma de dar aspecto de aparente legalidade e um artifício para permitir a transferência indireta de valores para Wilson Witzel.
Os investigados podem responder pelos crimes de organização criminosa, peculato, corrupção ativa e passiva, e lavagem de dinheiro.
Outro lado
Em nota, a defesa de Witzel disse que “recebe com grande surpresa a decisão de afastamento do cargo, tomada de forma monocrática e com tamanha gravidade”. Os advogados afirmaram que aguardam o acesso ao conteúdo da decisão para tomar as medidas cabíveis.
O PSC também divulgou nota e disse que “o Pastor Everaldo sempre esteve à disposição de todas as autoridades e reitera sua confiança na Justiça.”
O Pastor Everaldo, que não tinha cargo no governo, foi citado na delação ao MPF do ex-secretário de Saúde Edmar Santos, preso na Operação Placebo. Nos bastidores, Everaldo é considerado influente no governo fluminense e foi mentor político de Witzel na eleição de 2018.
As Comissões de Saúde e Covid-19 da Alerj convocaram o Pastor Everaldo para dar explicações sobre os supostos esquemas de corrupção. A reunião virtual está marcada para quinta-feira (3). A presidente da comissão, deputada Martha Rocha (PDT), confirmou à CNN que enviará ofício ao Sistema Penitenciário para ouvir o presidente do PSC.
O deputado André Ceciliano afirmou, em nota, que “está acompanhando os desdobramentos da Operação Tris in Idem e seus impactos na governança do estado do Rio de Janeiro”.
“Ceciliano desconhece as razões da busca e apreensão em seus gabinetes no prédio da Rua da Alfândega e no anexo, mas está tranquilo em relação à medida. Ele pôs à disposição dos agentes da PF seu gabinete no Palácio Tiradentes, que não estava incluído no mandado”, diz o texto.
“Ceciliano reitera a sua confiança na Justiça e afirma que está pronto a colaborar com as autoridades e a contribuir com a superação desse grave momento que, mais uma vez, o Rio de Janeiro atravessa. Ele também colocou seus sigilos bancário, fiscal e telefônico à disposição das autoridades.”
O advogado de Mário Peixoto, Alexandre Lopes, disse em um comunicado que “o Ministério Público Federal postulou a prisão preventiva de Mário Peixoto com base em teoria presuntiva e uma delação premiada pueril, não respaldada por nenhuma prova”. “Infelizmente, contrariando o princípio da presunção de inocência, a prisão foi ilegalmente decretada. O caso será levado ao Supremo Tribunal Federal, que se encarregará do restabelecimento da legalidade.”
Desvios na saúde e demais inquéritos
Em 26 de maio, Witzel foi alvo da Operação Placebo, autorizada pelo STJ. A PF cumpriu mandados de busca e apreensão em vários endereços em SP e no RJ, incluindo o Palácio das Laranjeiras e na casa onde ele morava antes de ser eleito, no bairro de Grajaú.
Essa operação apurou desvios na saúde pública do RJ em negociações de emergência durante a pandemia do novo coronavírus. Investigações apontaram para a existência de um esquema de corrupção envolvendo uma organização social contratada para a instalação de hospitais de campanha e servidores da cúpula da gestão do sistema de saúde do estado do RJ.
O governador responde a ao menos três inquéritos no STJ. Um deles apura envolvimento em desvios de recursos da Saúde durante a pandemia de Covid-19. Parte dos dados utilizados nesta investigação embasa também o pedido de impeachment do governador, em andamento na Alerj.
Outro se refere a uma acusação contra Lucas Tristão, braço-direito de Witzel, acusado de elaborar dossiês contra adversários políticos do governo na Alerj.
Um terceiro investiga a presença de funcionários fantasmas no RJ. Inclusive nesta sexta, o ministro do STJ Jorge Mussi autorizou o cumprimento de 12 mandados de busca e apreensão no estado do Piauí, com o objetivo de coletar provas sobre o suposto esquema de nomeação de funcionários fantasmas no governo fluminense para desvio de dinheiro público.
Há ainda uma outra investigação em curso contra Witzel por incitação ao crime, em razão do comportamento do governador após a solução do sequestro de um ônibus na Ponte Rio-Niterói, em agosto de 2019. Na ocasião, o sequestrador recebeu um tiro de um sniper e morreu. Ao descer do helicóptero, que pousou na ponte, Witzel vibrou e fez gestos de comemoração.
CNN Brasil