Governo contradiz lei sancionada por Jair Bolsonaro que obriga vacinação
As redes sociais da Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da República) reforçaram, no início da tarde desta terça-feira (1º), uma fala do presidente Jair Bolsonaro feita ontem (31) a uma apoiadora: “Ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”, afirmou, ao responder ao pedido para “não deixar fazer esse negócio de vacina” . A publicação exalta a atuação do Governo Federal na pandemia e diz que não iria impor obrigações ao cidadão comum. Entretanto, a fala do presidente e as postagens da Secom contradizem a legislação vigente sobre vacinas.
“O Governo do Brasil investiu bilhões de reais para salvar vidas e preservar empregos. Estabeleceu parceria e investirá na produção de vacina. Recursos para estados e municípios, saúde, economia, TUDO será feito, mas impor obrigações definitivamente não está nos planos”, diz a legenda da publicação.
A Lei 13.979, sancionada em 6 de fevereiro de 2020 por Jair Bolsonaro estabelece em seu artigo 3º, inciso III, a determinação de realização compulsória de vacinação e outras medidas profiláticas. A regra diz respeito especificamente “para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.”
Além desta, há várias legislações que estabelecem vacinação obrigatória. No Brasil, a vacinação compulsória de crianças e adultos pode ser determinada pelas autoridades sanitárias e cabe ao Ministério da Saúde determinar quais vacinas são ou não obrigatórias em cada região do país e para circulação no território. O decreto que regulamenta o Programa Nacional de Imunizações prevê, em seu artigo 29: “É dever de todo cidadão submeter-se e os menores dos quais tenha a guarda à vacina obrigatória”.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 13 de julho de 1990, reafirma essa obrigatoriedade e ainda prevê sanções de multa de até 20 salários mínimos a quem não a cumpra. O sistema educacional também exige do estudante ou de seus responsáveis a apresentação de carteira de vacinação atualizada. A exceção é um atestado médico confirmando que a pessoa não pode receber determinada vacina.
Além das obrigações legais, especialistas ouvidas pela CNN também ressaltam a importância do poder público em garantir campanhas que controlem as doenças infecciosas.
Segundo a médica infectologista e membro do Comitê de Imunização da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), Rosana Richtman, independente de pandemia, a obrigatoriedade de vacinação não é uma novidade no nosso país.
“Diante de uma pandemia é evidente que as autoridades sanitárias tenham o direito a algumas regras diferentes de situações normais como obrigatoriedade de isolamento, obrigatoriedade de quarentena, de exame laboratoriais e inclusive de vacinação. Apesar disso, nós, especialistas da área de vacinação, não gostamos de impor uma vacina a nenhum cidadão, mas informá-lo da importância e segurança de determinada vacina e daí deixar a escolha para o próprio cidadão”, explicou.
Para a microbiologista, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e presidente do Instituto Questão de Ciência, Natalia Pasternak, a população brasileira sempre participou ativamente de campanhas de vacinação porque entende a importância da imunização. Ela pondera que, se há brasileiros temerosos em relação à vacina, cabe ao governo tranquiliza-los com informação correta e não com promessas populistas.
“A comunicação do governo federal serviria melhor à população se usasse seus canais para promover uma campanha transparente e honesta sobre a segurança, os benefícios e a questão de saúde pública das vacinas. Uma campanha para conscientizar a população sobre a importância da vacinação, como um ato de respeito e proteção ao próximo, e uma ação coletiva e comunitária para enfrentarmos juntos essa doença. Nós nunca precisamos coagir ninguém no passado, e não é agora que precisaremos”, disse.
A reportagem entrou em contato com a Secom e aguarda um posicionamento.
CNN Brasil