Caso Miguel: ‘Não existe precificação de uma vida’, diz advogada sobre indenização de quase R$ 1 milhão pedida pela família da criança
Após a família de Miguel Otávio, criança que caiu do 9º andar de um prédio de luxo no Recife no dia 2 de junho, pedir uma indenização de quase R$ 1 milhão pela morte da criança, a advogada responsável pela ação, Rafaela Carrilho, afirmou que “não existe precificação de uma vida” e que o valor se divide entre danos morais e materiais. Os cálculos, segundo a defensora, foram feitos com base na jurisprudência.
A advogada afirmou, nesta quarta-feira (26), que a família do menino sofreu ofensas após o pedido de indenização, mas que isso não foi surpresa. Ela não detalhou o que foi dito a eles, nem quem teria feito. “Isso é uma coisa já esperada, a família de Miguel já tinha sido alertada. A gente sabe que os julgamentos são diversos, pelo próprio desconhecimento e também por uma certa malícia. Mas isso representa apenas um grupo, grande parte entende”, disse.
O valor de R$ 987 mil é solicitado judicialmente a Sari Corte Real, ex-patroa da mãe de Miguel e primeira-dama de Tamandaré. Segundo as investigações da Polícia Civil, a primeira-dama deixou a criança sozinha em um elevador do condomínio onde mora, enquanto a mãe do menino, que é doméstica, passeava com a cadela da família dos ex-patrões. Sari foi denunciada por abandono de incapaz que resultou em morte e espera julgamento em liberdade.
Dos R$ 987 mil solicitados, R$ 800 mil são por danos morais e se referem à perda da vida de Miguel. Desse valor, 40% são destinados ao pai, 40% à mãe e outros 20% à avó da criança. Isso significa que R$ 320 mil seriam para Mirtes Renata Souza e Paulo Silva, e R$ 160 mil seriam destinados a Marta Santana.
“Toda causa precisa ter um valor atribuído, isso por determinação legal. Diante de pesquisas legais e jurisprudenciais, chegamos nessa estipulação de valor, diante das circunstâncias da repercussão do caso e do bem envolvido, que é a vida de Miguel”, explicou a advogada.
Já os outros R$ 187 mil são referentes a danos materiais, a serem repartidos igualmente entre a mãe e o pai de Miguel, ou seja, cada um ficaria com R$ 93,5 mil. “As planilhas estão nos autos, demonstradas com cálculos elaborados minuciosamente por perito contábil, utilizando parâmetros legais e jurisprudenciais”, disse Rafaela Carrilho.
De acordo com a advogada, a indenização por danos materiais leva em conta a vida profissional que a criança poderia ter, a partir dos 14 anos.
“Consideramos o que Miguel poderia ser e nunca virá a ser, a partir dos 14 anos, iniciando como menor aprendiz, ajudando a essa família. Os nossos tribunais consideram que há uma presunção de interdependência de membros de famílias de baixa renda, quando existe a perda de um menor [de idade] dessa forma”, afirmou.
Ainda de acordo com a advogada da família de Miguel, a indenização não busca compensar a vida da criança. “Não existe precificação da vida, seja ela qual for. Trata-se de reparar um dano, de tornar essas pessoas que ficaram um pouco mais aptas a retomar sua existência, que foi tão mexida com a ausência da vida de Miguel”, disse.
Além do pedido de indenização, outros dois processos tramitam na Justiça. Um deles, na área penal, se refere ao abandono de incapaz que resultou em morte. Outro processo é da área trabalhista e se refere ao fato de que Mirtes e Marta trabalhavam como empregadas domésticas na casa de Sari, mas eram registradas como funcionárias da prefeitura de Tamandaré.
Caso Miguel
Miguel caiu do 9º andar do edifício Píer Maurício de Nassau, no bairro de Santo Antônio, no Centro do Recife, no dia 2 de junho. A mãe dele, Mirtes Souza, o deixou com a ex-patroa para passear com Mel, a cadela da família que a empregava.
No dia da morte de Miguel, Sari foi presa em flagrante por homicídio culposo, quando não há intenção de matar. Ela pagou uma fiança de R$ 20 mil para responder ao processo em liberdade.
Em 1º de julho, ela foi indiciada pela polícia por abandono de incapaz que resultou em morte. Esse tipo de delito é considerado “preterdoloso”, quando alguém comete um crime diferente do que planejava cometer.
No dia 17 de agosto, Sari Corte Real foi citada pela Justiça para apresentar, em dez dias corridos, defesa diante da denúncia criminal.
Investigação policial
Segundo a polícia, a criança saiu do apartamento de Sari para procurar a mãe e foi até os elevadores do condomínio. Imagens das câmeras de segurança mostram que, por pelo menos quatro vezes, a primeira-dama de Tamandaré conseguiu convencer Miguel a sair do elevador social e de serviço.
Por meio de perícias, o Instituto de Criminalística de Pernambuco (IC) constatou que Sari Corte Real acionou a tecla do elevador que dá acesso à cobertura às 13h10, saindo do elevador em seguida. O laudo contradiz a versão dada pelo advogado de defesa de Sari.
O elevador parou no 9º andar e a criança seguiu em direção a um corredor. Depois, parou na frente da janela da área técnica, escalou um vão e alcançou uma unidade condensadora de ar. Miguel tinha 1,10 metro e a janela, 1,20 metro. Marcas das sandálias que a criança usava atestaram que ele ficou em pé na condensadora.
Para descer de lá, Miguel pisou em um segundo equipamento do mesmo tipo e se dirigiu a um gradil que tem função estética. A criança escalou as grades e, ao chegar ao quarto “degrau”, se desequilibrou e caiu.
A perícia descartou a hipótese de que alguém estivesse com a criança no 9º andar. Para isso, foi calculado o tempo em que o garoto saiu do elevador e caiu no térreo: 58 segundos. Também não havia vestígios de outra pessoa no corredor em que a criança entrou.
Homenagens e protestos
O caso ganhou repercussão nacional, com manifestações de políticos e artistas na internet e criação de um abaixo-assinado virtual com mais de 2,5 milhões de assinaturas pedindo justiça.
No dia 12 de junho, durante um ato em frente ao prédio de onde Miguel caiu, manifestantes levaram cartazes com pedido de justiça e caminharam até a delegacia onde o caso é investigado. Eles exigiram que a ex-patroa da mãe do menino seja punida por homicídio doloso, quando há intenção de matar, e não culposo, como entendeu a polícia.
No dia 9 de junho, artistas pediram justiça em um protesto em barcos no Rio Capibaribe, no Recife. No dia anterior, 8 de junho, uma missa de sétimo dia foi celebrada virtualmente devido à pandemia da Covid-19.
No dia 7 de junho, outra homenagem a Miguel foi feita, mas em Tamandaré. Em 6 de junho, uma pintura com o rosto do menino foi feita na frente do prédio onde ocorreu o acidente. Em 5 de junho, um protesto reuniu centenas de pessoas em frente ao prédio onde vive a família dos ex-patrões de Mirtes, com forte participação do movimento negro.