•  sábado, 23 de novembro de 2024

Abandonar animais configura maus-tratos e é crime previsto em lei

Campanha “Dezembro Verde” foca a conscientização sobre a guarda responsável

O abandono de animais causa sofrimento às espécies, traz prejuízos à saúde pública e é crime previsto pela legislação brasileira. As graves consequências da exposição de cães e gatos à situação de rua impulsionaram a criação da campanha “Dezembro Verde”, que tem tido adesão de diferentes tipos de instituições e torna o mês um período de conscientização e educação sobre a guarda responsável.

Isso porque o ato de abandonar um animal fere todos os princípios básicos da guarda responsável, conceito formato por um conjunto de regras para o tratamento adequado dos animais de companhia. Isso inclui garantir, por exemplo: acomodação em espaço limpo e confortável; assistência médica-veterinária periódica e sempre que o animal necessitar; vacinação anual; alimentação adequada e que o animal nunca fique desabrigado ou desassistido.

“É preciso conscientização para garantir o bem-estar dos animais e da sociedade. Nesse sentido, campanhas como o “Dezembro Verde” são aliadas”, diz a médica-veterinária Rosangela Gebara, integrante da Comissão Técnica de Bem-estar Animal (CTBEA) do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP).

Para o médico-veterinário Carlos Augusto Donini, presidente da Comissão Técnica de Políticas Públicas (CTPP) do Conselho, é oportuno esclarecer que são considerados animais abandonados não só aqueles que foram descartados nas ruas. “A grande maioria dos cães e gatos em vias públicas é semi-domiciliada, ou seja, tem “dono” e “casa”, mas, claramente, seus tutores negligenciam a guarda.”

Eles passam medo, frio e fome

Presidente da Comissão Técnica de Bem-estar Animal do CRMV-SP, a médica-veterinária Cristiane Schilbach Pizzutto sinaliza que diversos estudos mostram que os animais são seres sencientes, ou seja, são capazes de sentir e responder aos estímulos recebidos pelos órgãos dos sentidos. A observação deixa claro o abalo que o abandono representa.

De acordo com Cristiane, o animal percebe que foi rejeitado e entra em sofrimento. “O abandono provoca um alto índice de estresse, com aumento da liberação de cortisol e alterações do comportamento”, afirma a médica-veterinária, referindo-se à possibilidade da manifestação de agressividade; prostração; apatia; pânico; entre outros desvios comportamentais. Os quadros são agravados pela exposição ao frio, fome e medo. “Podemos dizer que é semelhante ao sofrimento humano, especialmente pelo fato de o animal criar laços com as pessoas com que convivia, ligação que também já é apontada em pesquisas.”

Saúde fica debilitada

A saúde dos animais abandonados é inevitavelmente abalada, sendo que o estresse apontado por Cristiane é um fator crucial para que a imunidade sofra oscilações que facilitem infecções e o desenvolvimento de doenças diversas.

“A ausência das vacinas, controle de vermes, pulgas e carrapatos, bem como a ausência de uma alimentação adequada agravam esse contexto”, afirma a integrante da CTBEA/CRMV-SP, Rosangela Gebara. Ela ainda enfatiza outros riscos à saúde do pet, como envenenamento, atropelamento e ferimentos por brigas e agressão.

Quando os cães e gatos são filhotes, a chances de sobrevivência são ainda menores. “Estudos mostram que em média 75% dos animais abandonados nessa fase de vida morrem antes de completarem seis meses de idade”, diz Rosangela.

Uma questão de saúde pública

O ato de abandonar resulta em prejuízos que ultrapassam a saúde emocional e física dos animais e se reflete na sociedade da qual eles são vítimas, interferindo na saúde pública.

Prova disso é o aumento da veiculação e infestação por ectoparasitas (pulgas, carrapatos, piolhos, sarna e micoses), além de moscas e pernilongos. De acordo com o médico-veterinário Carlos Augusto Donini, presidente da Comissão Técnica de Políticas Públicas (CTPP) do CRMV-SP, a maioria desses são vetores de zoonoses, ou seja, doenças que podem ser transmitidas dos animais para os humanos por meio da picada por esses ectoparasitas quando estão infectados. Exemplos são: Leishmaniose, Filariose enzoótica (“verme do coração”), Microsporiase, Escabiose, Esporoticose, Erlichiose (“doença do carrapato”) e Dipilidiose.

“Possibilita, ainda, a aquisição de parasitas gastrointestinais pelo acesso frequente e ingestão de fezes de animais contaminados, passando a eliminar ovos de parasitas para o ambiente. Assim são mantidas as Giardíase, Toxocariases (lumbrigas- Larvas migrans viscerais), Larvas migrans cutânea (conhecida como “bicho geográfico”), todas zoonóticas, por contato ou ingestão acidental”, pontua Donini.

Além dessas, o médico-veterinário cita as infecções bacterianas a partir do contato com coliformes fecais, oportunistas em casos de doentes crônicos, idosos, crianças e gestantes.

Outro ponto destacado por Donini é o aumento da incidência de ratos em decorrência da dispersão de lixo, que acontece pela busca dos cães e gatos por alimentos.

“Considerando as circunstâncias de ocorrências de animais domésticos soltos em vias públicas, há ainda a relação direta com acidentes de trânsito e por mordidas, que também são questões de saúde pública”, frisa.

Lei prevê detenção e multa

O combate ao abandono e a conscientização quanto à guarda responsável não é somente um ato ético de bondade. Trata-se de um dever. Isso porque abandonar de animais de qualquer espécie é uma forma de maus-tratos, prática que configura crime, de acordo com a Lei Federal nº 9.605/98, conhecida como “Lei de Crimes Ambientais”.

A pena é de detenção de três meses a um ano, além de multa. A penalidade consta no artigo 32 da legislação e é aumentada, de um sexto a um terço, quando ocorre a morte do animal.

Pesquisador do tema e autor do livro “Maus-tratos contra animais e violência contra pessoas”, Marcelo Robis Francisco Nassaro argumenta que, no estado de São Paulo, há ainda a Resolução da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente nº 48/14, que em seu artigo 29 descreve “abandonar animal que esteja sob sua responsabilidade à sua própria sorte” como prática de maus-tratos.

“Reconhecendo o abandono como maus-tratos e infração ambiental, passível de multa na esfera administrativa, a norma acabou ingressando, também, no sistema jurídico, como regulamentação extrapenal. Isso reforça o abandono de animais como crime ambiental”, argumenta Nassaro.

Como denunciar

Denúncias requerem provas ou flagrante. Por isso, é indicado que hajam reunidos registros em fotos e vídeos, além de recuperar imagens de circuitos de condomínios que possam ter filmado o ato. O material deve ser levado às autoridades policiais, que darão início às investigações.

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