Fiscal Agropecuário: médicos-veterinários que exercem a função também são heróis no enfrentamento à Covid-19
Muitas vezes vistos como vilões pelo rigor na fiscalização, eles têm um papel capaz de evitar impactos globais na saúde e na economia
Nas diferentes linhas de frente em que o médico-veterinário atua no contexto da pandemia de Covid-19, a função de fiscal agropecuário, que teve seu dia comemorado na última semana (30/06), merece destaque. Estes profissionais têm a importante missão de normatizar e fiscalizar processos, produtos e estabelecimentos para que cadeias indispensáveis, como as que suprem as áreas de alimentação e saúde, continuem atendendo necessidades primordiais da sociedade.
Os fiscais agropecuários atuam com foco na segurança dos alimentos, insumos agropecuários e fármacos veterinários que abastecem os mercados interno e externo, sendo, assim, peça estratégica não apenas para a saúde pública, mas para a economia nacional – seja no que diz respeito às receitas, seja no que tange à geração de emprego e desenvolvimento das populações –, e para as relações internacionais.
Os pilares deste trabalho são a criação de normas, a fiscalização e a observância para as atualizações que possam vir a ser necessárias, visando atender critérios sanitários no território nacional e, também, as exigências de países importadores ao agronegócio brasileiro. Neste contexto, os médicos-veterinários podem desempenhar a função como concursados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) ou de Secretarias de Agricultura dos Estados.
Essenciais para o abastecimento em meio à pandemia
Em síntese, os profissionais estão em três “etapas” do processo de controle: a primária ocorre junto às criações, nas fazendas, focando a saúde animal e do ambiente; a secundária envolve os processos de abate e de transformação de matéria-prima em diferentes produtos alimentícios (além dos subprodutos, como o couro); e a terciária acontece quando os produtos chegam às prateleiras dos comércios.
“Esta ampla gama de atuação evidencia quão essencial é o trabalho do fiscal agropecuário, especialmente quando é preciso abastecer a sociedade quando atravessa todos os pormenores que uma pandemia implica”, diz o médico-veterinário Ricardo Moreira Calil, presidente da Comissão Técnica de Alimentos (CTA) do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP), que se aposentou como fiscal agropecuário após 48 anos de atuação junto ao Mapa. Ele ingressou no segmento ainda durante o estágio e, ao longo da carreira, participou da consolidação do Serviço de Inspeção Federal (SIF), modelo de conduta para muitos países.
Calil destaca que há ainda uma entrelinha que enlaça todo esse grande sistema composto pelas três etapas de controle oficial. “Trata-se do serviço de fiscalização das fronteiras, portos e aeroportos, com objetivo de verificar o trânsito de produtos de origem animal, insumos agropecuários, cargas vivas e outros diversos”, afirma.
O médico-veterinário Fábio Alexandre Paarmann, integrante da Comissão Técnica de Saúde Animal (CTSA) do CRMV-SP, é fiscal agropecuário no Serviço de Saúde Animal do Mapa, em São Paulo, e comenta que toda a cadeia envolve um alto número de funcionários, o que traz ainda mais responsabilidades. “Para preservar a saúde dos trabalhadores e de suas famílias e para garantir que o setor siga produzindo e abastecendo a sociedade, é preciso um cuidado redobrado quanto às orientações de prevenção, como uso de equipamentos de proteção, adequação de ambientes e o distanciamento entre as pessoas.”
Paarmann conta que tem vivenciado esse maior controle em sua rotina de trabalho, que agora tem como prioridade as atividades mais indispensáveis, como trâmite para exportação e trânsito de animais, investigação de mortalidade, certificação e vistoria de estabelecimentos e fiscalização de fronteiras nacionais e internacionais.
Na atividade há 13 anos, o médico-veterinário migrou da clínica de pequenos animais para a carreira e considera que na área encontrou nova oportunidade e motivação para seguir se sentindo útil à sociedade, desta vez – em vez de lidar com os pets e ajudar a evitar doenças que podem ser transmitidas aos humanos – atuando na identificação de gargalos e propondo melhoria nos processos pelos quais passam os produtos que serão consumidos pela população.
“A função requer flexibilidade e atualização constante, a exemplo do que ocorreu com a pandemia de Covid-19, que fez com que condutas de segurança sanitária fossem observadas com ainda mais cautela e somadas a novos protocolos”, menciona Paarmann.
Ao desempenharem função essencial, assim como profissionais de outras áreas da Saúde, os fiscais agropecuários fazem parte do time de heróis que precisou se expor. Nas fronteiras, portos, aeroportos, estradas, no campo e nas empresas, eles estão na linha de frente para garantir que alimentos e medicamentos abasteçam o comércio e cheguem aos lares com segurança.
“É uma grande responsabilidade e houve muita pressão, especialmente quando os casos começaram a surgir no Brasil e novas medidas surgiam a todo o momento. Para quem trabalha em um aeroporto internacional, podemos dizer que é um contexto bastante inóspito”, diz o médico-veterinário Luiz Carlos Teixeira de Souza Junior, fiscal agropecuário do Serviço de Vigilância Agropecuária do Aeroporto Internacional de Guarulhos (SVA/GRU), unidade do Sistema de Vigilância Agropecuária Internacional (Vigiagro) do Mapa.
O profissional comenta que havia uma grande tensão em lidar com alto fluxo de passageiros de voos internacionais e vistoriar produtos vindos de diversas regiões do mundo, especialmente no início da quarentena, quando o uso de máscaras ainda não era uma recomendação oficial.
Primordiais para a prevenção de doenças
No que diz respeito à pandemia de Covid-19, Souza Junior argumenta que há fatores que se relacionam com a atuação do fiscal agropecuário sendo estudados e que podem evidenciar ainda mais o trabalho realizado por estes profissionais no âmbito da prevenção.
Ele comenta haver uma linha de raciocínio que defende o desencadeamento do cenário atual por conta da peste suína, que atingiu fortemente diversos rebanhos da China em 2018 e 2019, e uma maior procura por proteína animal de outras espécies. “A perda de milhares de porcos pode ter fomentado compra e venda de carne de diferentes animais e, dessa forma, ter contribuído para com a disseminação do novo coronavírus”, comenta Souza Junior, enfatizando que, apesar de ainda serem necessários estudos para se confirmar o raciocínio, é possível compreender que ambos os problemas, relacionados entre si ou não, mostram a magnitude dos impactos provocados por falhas nos controles sanitários.
“O trabalho do fiscal agropecuário junto a passageiros e cargas nos aeroportos, por exemplo, é, muitas vezes, visto como uma medida antipática. Entretanto, estas atividades, nos diferentes segmentos da cadeia, são cruciais para a prevenção de doenças e todos os efeitos que elas podem acarretar, a exemplo da crise que o mundo vivencia em decorrência do coronavírus”, frisa Souza Junior.
O argumento vai em direção do que comentou Calil sobre o médico-veterinário no âmbito da saúde pública. “Exercer a Medicina Veterinária é promover prevenção. É o que chamamos de consciência sanitária, o que vemos em todos os processos desempenhados por fiscais agropecuários”, diz o presidente da CTA/CRMV-SP, mencionando que, desde a criação de protocolos até a fiscalização, a função requer profissionais antenados em todos os aspectos da saúde humana, animal e ambiental, ou seja, que tenham como premissa a Saúde Única.