Como os conflitos entre os poderes estão prejudicando a reabertura das empresas na pandemia?
Por Jayme Petra de Mello Neto
A atual medida do governo de São Paulo de classificar por fases a reabertura do comércio vem recebendo duras críticas de prefeitos – alguns, inclusive, entrando com liminares para rever a fase estabelecida para o município. Se, antes, já havia impasses entre o Governo Federal com os demais Estados, agora os conflitos municipais provocam ainda mais um cenário de insegurança jurídica, que é bastante prejudicial às empresas.
Hoje, os empresários estão sujeitos a uma série de diretrizes, leis e decretos em múltiplos níveis, manifestações de órgãos, como das secretarias de Saúde, da Fazenda ou de Desenvolvimento Econômico, e do Congresso. Muitas vezes divergentes, essas orientações acabam mais provocando mais incertezas do que realmente dando um norte a seguir, fazendo com que o empreendedor possa praticar um ato fora do âmbito da segurança jurídica. Além disso, a guerra não declarada entre os poderes, ainda mais se tratando de um ano com eleições municipais, acaba prejudicando ainda mais uma regulamentação mais detalhada sobre a reabertura e suas possíveis consequências.
Um exemplo foi a Lei 14.010, que buscava estabelecer regras sobre o Regime das Relações de Direito Privado durante o estado de calamidade em saúde pública. Entre os pontos mais polêmicos da norma estava a questão do despejo, que tramitou desde o início com uma série de embates, gerando lentidão no processo. Depois de várias idas e vindas, o projeto foi discutido no Senado, votado na Câmara e voltou a ser analisado pelos senadores. Na hora da sanção presidencial, foi vetado de ponta a ponta.
Percebe como, depois de tantos embates, no final, o projeto não trouxe nada de novo? Além de prejudicar o processo legislativo, essa demora tem impacto direto no dia a dia de empresários, que já começam a se preparar para uma lei que pode nem ser aprovada. Não há uma linha geral a ser seguida, de modo a estar juridicamente preparado para o futuro. Deste modo, não há como planejar reaberturas, novas formas de negócio, entre outros investimentos. O Brasil simplesmente para.
Em São Paulo, pelo menos, parece haver uma orientação relativamente aceita pelos juízes de que o decreto estadual prevalece sobre o municipal. Muitas liminares estão sendo negadas a municípios depois que o Supremo Tribunal Federal decidiu pela autonomia dos Estados. Nesses casos, a movimentação tem sido relativamente rápida. O Ministério Público entra com o pedido de liminar e no dia seguinte o juiz já emite a decisão.
Diante de tantas incertezas, há um entendimento que pode preservar as empresas de possíveis consequências negativas. Já se sabe que cada caso deverá ser avaliado individualmente, então o que vou argumentar a seguir não é um passe livre para que todos reabram as portas impunemente. Nos próximos meses, o judiciário deve adotar uma linha de aparência de legitimidade do Direito. Por exemplo: se o prefeito de uma cidade questionou sua classificação no programa de reabertura e decidiu abrir o comércio, a empresa que voltar a funcionar ponderou que o prefeito estava amparado juridicamente e poderá argumentar que seguiu uma lei que era válida naquele momento – o que deverá ser levado em consideração pelos juízes.
O momento pede agilidade dos poderes e precaução dos empresários. As ações devem ter como objetivo a preservação da vida. Não basta apenas reabrir o comércio: é preciso criar soluções que minimizem o risco de contágio naquele ambiente. Da mesma forma, não podemos continuar em um limbo, sem saber para qual direção seguir. O compromisso firmado hoje é o que vai garantir uma retomada econômica com menos prejuízos.