Sana Amanat, da Marvel, defende Thor, Homem de Ferro e Homem-Aranha vividos por mulheres: ‘Transcendem gêneros’
Quando criança, Sana Amanat não pensava em trabalhar na indústria de quadrinhos norte-americana. Descendente de uma família paquistanesa e vivendo em Nova Jersey, ela gostava de narrativa visual mas não nutria nenhum interesse particular pelo universo dos super-herói.
Corte para 30 anos mais tarde – Sana, agora vice-presidente de conteúdos criativos da Marvel Comics, é uma das principais convidadas da quinta edição do Wired Festival, evento realizado nesta sexta-feira (29), na Cidade das Artes, Rio de Janeiro, onde ela falará sobre representatividade e presença feminina no universo dos quadrinhos.
“É engraçado. Enquanto crescia, nunca imaginei que trabalharia com quadrinhos – foi algo que aconteceu de forma inesperada. Mas depois que esse caminho apareceu na minha vida, pouco depois da faculdade, todas as peças se encaixaram. E hoje estou aqui para falar do quanto a presença das mulheres em uma forma de comunicação global como quadrinhos é importante”.
Apesar de ter experimentado mudanças nos últimos tempo, de maneira geral o universo das histórias em quadrinhos – sobretudo dos títulos dedicados aos super-heróis, ainda é predominantemente masculino. Situação reforçada pela pouca visibilidade concedida a escritoras importantes do gênero em anos passados.
“Se você olhar para as décadas de 1970 e 1980, vai encontrar nomes de mulheres roteiristas muito importantes no universo dos super-herói como Louise Simonson (‘X-Factor’, ‘Novos mutantes’), Ann Nocenti (‘Demolidor’), Jo Duffy (‘Luke Cage e Punho de Ferro’) e Marie Severin (‘Conan’). Todas fizeram trabalhos incríveis, mas acabaram apagadas pela presença de seus colegas masculinos. Hoje, a Marvel ficou muito grande, o que, felizmente, possibilitou a entrada de novas escritoras e artistas femininas de quadrinhos, agora bem mais reconhecidas”.
Sana acredita que a editora é o local ideal para se discutir a necessidade de inclusão feminina aos quadrinhos – muito por conta do próprio histórico da abordagem sobre os próprios personagens.
“A Marvel sempre esteva atenta às transformações da sociedade. Durante o auge dos movimentos pelos direitos civis, ainda na década de 1960 e 1970, a editora criou personagens importantes e em consonância com aqueles tempos, como o Pantera Negra e Luke Cage.”
“Desde o início, as histórias dos X-Men lidam com questão do preconceito e da exclusão pela diferença. Stan Lee, Steve Ditko, e Jack Kirby, que deram início a todo esse universo, nunca tiveram medo de unir as pessoas, de promover a inclusão. A Marvel traz para os quadrinhos a realidade do mundo, por isso é uma empresa representativa”.
Resistências
Apesar dos esforços, ainda é possível notar com certa facilidade a resistência de boa parte dos fãs quanto à presença de mulheres no universo dos quadrinhos de super-heróis – tanto como autoras quanto como leitoras.
“É natural. Mudanças sempre vão provocar resistências e surgimento de obstáculos – não temos medo disso. É claro, todos têm o direito de se afastar daquilo que não lhes agrada, mas hoje vejo as pessoas bem mais abertas às mudanças.”
“É muito comum ver pais, que cresceram lendo quadrinhos de super-heróis, comprando revistas para suas filhas – vejo isso o tempo todo. Eles sabem da influência positiva que esse tipo de leitura pode provocar e querem que suas meninas estejam em contato com esse material”.
Muito dessa postura inclusiva adotada pela Marvel nos últimos anos se dá por meio da transformação de alguns de seus personagens mais icônicos em mulheres. Já aconteceu com o Thor – cujos poderes foram temporariamente transferidos para a guerreira asgardiana vivida por Jane Foster, tradicional par romântico do herói – e também com o Homem de Ferro, cuja presença foi substituída brevemente pela jovem Riri Williams, a Coração de Ferro.
Essa abordagem incomoda leitores que não enxergam nessas ações personagens de verdade, mas apenas versões femininas dos originais. Sana discorda.
“Sempre olhamos para o personagem em primeiro lugar, suas características e emoções. Ao observarmos com cuidado, vemos que Jane Foster é uma criação muito diferente do Thor original. O mesmo vale para a Coração de Ferro.”
“Isso vem de uma percepção que temos de que os valores que constituem heróis como Thor, Homem de Ferro, Capitão América ou Homem Aranha estão ligados a ideais mais elevados, que transcendem as questões de gênero. Logo, não há problemas em colocar mulheres ali”.
Miss Marvel
Foi por meio de uma das criações de Sana que a Marvel deu um dos passos mais importantes nos quadrinhos no sentido de inclusão não apenas de mulheres, mas também religiosa. Ela é uma das responsáveis pela concepção de Miss Marvel, primeira heroína muçulmana do universo da editora.
Adolescente, criada em New Jersey e filha de pais paquistaneses, a personagem é a soma de vários fatores da vida da própria Sana.
“Sim, há muito de mim mesma naquele personagem – gosto de pensar que ela é minha irmã mais nova. E mais importante que isso: gosto de pensar no impacto que é trazer uma personagem muçulmana para a maior editora de quadrinhos do mundo e da quebra de esteriótipos e de tantos preconceitos que essa ação pode provocar. Ela é uma menina muçulmana com superpoderes e virtudes, ao mesmo tempo, humana e cheia de imperfeições e medos. Esse conjunto faz com que ela seja muito rica”.
G1