Desajustes na aprendizagem e no desenvolvimento da criança podem ser razão de baixo rendimento escolar
Esses problemas são passíveis de ser identificados e tratados pela medicina foniátrica. Diagnóstico clínico precoce é fundamental para que crianças inteligentes e com bom potencial evitem o sofrido caminho do fracasso escolar
Crianças que não param quietas em suas carteiras, que mostram dificuldades em focar nas matérias apresentadas na lousa, que tiram notas baixas nas provas, que são arredias e chegam a afrontar professores, coordenadores e diretoria, ignorando suas orientações. Em sua maioria, inteligentes e com potencial, mas que por alguma razão não se adequam e apresentam dificuldade escolar. Estas crianças costumam ter uma vida sofrida, marcada por tratamentos especializados e por castigos e punições, que almejam melhorar o desempenho delas na escola, mas que raramente surtem o efeito desejado.
O diretor do Instituto de Foniatria de Campinas (SP), médico foniatra e otorrinolaringologista, Dr. Evaldo José Bizachi Rodrigues, explica que a razão para o rendimento escolar abaixo do esperado, desproporcional ao esforço despendido pela criança, encontra-se em pequenos desajustes funcionais relacionados ao processo de maturação, aprendizagem (inclusive fala, linguagem, leitura e escrita) e desenvolvimento (organização e adaptação). Dr. Evaldo enfatiza a importância da medicina foniátrica para a identificação e tratamento desses desajustes.
Conforme o médico foniatra, a especialidade pode evitar que as crianças com dificuldades na escola passem por todo o sofrimento inerente à sua condição, que se inicia no clima de “guerra” constante entre elas e suas famílias decorrente do rendimento escolar oscilante, – com altos e baixos – sempre numa faixa crítica de desempenho. “Essa oscilação também ocorre em qualquer contexto clínico (oscilam a febre, a cólica, a crise asmática, a dor da angina etc.)”, explica. Contudo, no que se refere ao desempenho da criança na escola, as variações ocasionam um efeito perturbador nos pais e professores, que as atribuem à falta de empenho, à preguiça ou à irresponsabilidade.
A partir dessa percepção, pais e professores costumam reagir aumentando a cobrança em relação às crianças ou até mesmo punindo-as. A pressão acaba por surtir efeito contrário ao desejado. Ao invés de melhorar o desempenho escolar acaba piorando. Segundo Dr. Evaldo, não sobra alternativa às crianças, a não ser desenvolverem mecanismos de defesa e de fuga em relação às atividades escolares. “Estas vão se tornando cada vez mais odiosas, até pela frustração da luta contra o mau resultado, – no ditado e na leitura, por exemplo – sem que se considerem suas causas”, diz.
Em consequência, tornam-se frequentes na criança o mau humor, a agressividade, o alheamento e a pouca disponibilidade para a socialização. De acordo com o médico foniatra, muitas vezes as atitudes são tão intensas que inverte-se a ordem e passa-se a considerá-las como causas do mau desempenho escolar e não como efeito da falta de condição para que as atividades propostas sejam cumpridas.
Dr. Evaldo explica que tal inversão ocorre porque habituou-se – erroneamente – considerar que uma criança será alfabetizada sem grandes esforços quando estiver com a idade certa e se estiver inserida no contexto de um bom projeto pedagógico. “Como se as crianças, qualquer que seja sua condição, pudessem adquirir e automatizar naturalmente os mecanismos de leitura e escrita porque é chegado o momento”, explica. Mas não, para que isso ocorra é necessário que estejam desenvolvidos vários pré-requisitos interdependentes.
Entre os quais um mínimo de tempo de atenção seletiva. Segundo o médico foniatra é fundamental que a criança seja capaz de concentrar-se em um estímulo menor – porém mais importante – na presença de um outro maior e mais chamativo.
Também é pré-requisito para a obtenção de mecanismos de leitura e escrita saber organizar o espaço interno. Conforme Dr. Evaldo, por meio dessa capacidade é possível que a criança consiga estabelecer relação de causa e efeito, que são a base do surgimento e da qualidade da noção de perigo; do entendimento das regras de um jogo e também da casa; da capacidade de escolher, de agir conforme experiências vividas (não se deixar enganar), e de empregar palavras que traduzem o conceito de espaço/tempo, como antes, depois, amanhã, embaixo, em cima, horas, dias da semana etc.
O bom desempenho da fala é igualmente condição necessária para que a criança consiga alfabetizar-se sem grandes transtornos. “Isso significa que as estruturas responsáveis pela aquisição da fala estão íntegras e, portanto, prontas para arcarem com uma exigência muito maior, a serviço da passagem da letra para som na leitura e, ao contrário, no processo da escrita”, justifica Dr. Evaldo. Do mesmo modo, segundo o médico foniatra, o desenvolvimento da lógica do pensamento, caracterizada pela linguagem e pela capacidade de abstração, é um dos componentes necessários para a aquisição e automatização da leitura e da escrita com compreensão.
Estas habilidades mencionadas vão sendo adquiridas desde o nascimento e devem contar com o adequado estímulo do ambiente para se efetuarem. Conforme Dr. Evaldo, atraso, falha ou distorção em qualquer deste pré-requisitos inviabiliza a alfabetização. Nesse sentido, é essencial a identificação precoce e a procura pelo tratamento foniátrico. “Atualmente, a foniatria conta com recursos clínicos que contribuem para uma melhor e eficiente resposta às intervenções fonoaudiológicas, pedagógicas, psicológicas ou da terapia ocupacional, evitando que muitas crianças inteligentes, com exame neurológico normal e com bom potencial, entrem no sofrido caminho do fracasso escolar”, enfatiza
Segundo o médico foniatra, um dos fatores que colaboram para o agravamento do quadro de não desenvolvimento das habilidades necessárias para aquisição de mecanismos essenciais para a escrita e leitura é a promoção automática (legislação brasileira) que faz com que muitas crianças sejam expostas à alfabetização sem a condição necessária. “Em nome da idade e da vida competitiva, elas são empurradas para as séries seguintes até serem carimbadas de disléxicas, porque são desatentas e inquietas, trocam e invertem letras, usam mal o espaço gráfico, apresentam leitura truncada, sem ritmo e sem entendimento, e têm dificuldade para se expressarem através da escrita”, declara.
A falta de conhecimento sobre como tratar as dificuldades escolares enfrentadas pelas crianças inteligentes e com potencial agrava ainda mais o problema. Conforme Dr. Evaldo, em geral, considera-se perdido o tempo gasto para que as crianças adquiram condições que permitam o sucesso no domínio da leitura e da escrita. “É essa conduta que leva os envolvidos nesse processo a fazer parte do problema, ao invés de fazer parte da solução”, conclui.