A herança da pandemia na educação
Por Nuricel Aguilera*
A esta altura da pandemia, já se sabe que ela vai deixar, além da crise econômica que todos estamos vivendo, uma herança baseada em mudanças de hábitos e no uso mais intenso da tecnologia. E a área de educação não vai escapar desse processo. Por isso, já se discute como a educação ficará depois da pandemia.
Em tese, é possível afirmar que não se adotará um modelo totalmente digital. Há uma série de fatores que contribuem para isso, desde questões socioeconômicas deste país de desigualdades, até questões puramente educacionais. Para começar, pode-se dizer que educação é muito mais do que transmissão de conhecimento de um especialista para um neófito.
Os educadores lembram que o conhecimento é construído quando o nosso conhecimento prévio do mundo e das coisas é colocado em contato com novas ideias e experiências. O ambiente também pode favorecer o aprendizado. Assim, interações, espaços e ferramentas são importantes para esse processo. E o que se tem hoje não gera totalmente esses facilitadores, mesmo considerando que o uso da tecnologia foi adotado em uma situação de emergência, sem que escolas, professores e alunos estivessem preparados para isso.
Ao mesmo tempo, já está claro que replicar no mundo digital estratégias e abordagens existentes no mundo físico é um erro. A crise de aprendizagem existente é, em grande parte, consequência da ineficiência de um modelo de educação presencial que remonta ao século 19 e cujos resultados, nem sempre bons, todos conhecem. Transportá-la para o mundo digital não vai resolver esse problema.
Todo esse cenário nos mostra que, em vez de um modelo totalmente presencial ou digital, que não é necessariamente mais barato, a tecnologia deve ser empregada para aprimorar os sistemas existentes, a fim de proporcionar um verdadeiro aprendizado. O que se coloca, então, é uma oportunidade para criar novos modos mais efetivos, interativos e participativos de aprendizagem, capazes de proporcionar uma educação verdadeira.
Neste caso, todos os envolvidos com a educação, como professores, escolas, alunos, pensadores e educadores, devem participar desse processo de criação de um modelo de educação para substituir a abordagem tradicional, que é falha. Esse é, reforçando, o maior problema quando se tenta simplesmente replicar on-line um modelo com aulas padronizadas, centradas no professor, que compartimenta o saber em séries. Características que hoje não fazem mais sentido neste mundo tecnológico cheio de possibilidades.
Claro que há obstáculos no caminho. Acredito que seja um erro pensar que o estudo on-line ofereça oportunidades iguais de educação, já que o acesso a equipamentos e melhores sistemas tecnológicos é mais fácil para famílias com mais posses. Ele pode simplesmente reproduzir as desigualdades. E o desenvolvimento de um novo modo de educar deve levar esse aspecto em consideração.
Há, ao mesmo tempo, outro problema, mais imediato, mas que vale a pena mencionar. Trata-se da possibilidade de a crise levar a risco maior de evasão escolar. Afinal, muitas crianças e jovens que já tinham dificuldades com o modelo tradicional de ensino podem ter sido estimulados pela quarentena a deixar para trás algo com que já não se identificavam e não acreditavam. Penso que as autoridades deveriam já planejar medidas para enfrentar casos desse tipo.