Pandemia coloca holofote nos 60+: temas como longevidade e finitude passam a ser debatidos
Por Layla Vallias
A pandemia está redesenhando nossas vidas: da percepção sobre a saúde ao modo como consumimos e vivemos. De todas as transformações em curso, um destaque é a alteração da percepção sobre o envelhecimento e sobre o próprio relacionamento com as pessoas maduras. Com esse holofote direcionado para temas como a longevidade e a finitude, temos que fazer algumas reflexões importantes sobre o futuro: tento individual, quanto coletivo.
A pesquisa Plano de Vida & Legado – conduzida pela agetech Janno em parceria com a MindMiners –, traz dados interessantes sobre a percepção dos brasileiros sobre a temática: sete em cada 10 entrevistados com mais de 60 anos afirmam que estão refletindo mais sobre a finitude durante a pandemia; quatro em cada 10 estão com medo de morrer; dois em cada 10 começaram o planejamento de fim de vida durante o distanciamento social. Mas, o que esses números revelam na essência?
Vamos por partes. Sobre a constatação da própria longevidade, viver mais – em uma perspectiva bastante prática – significa ter que poupar por mais tempo. Entretanto, os brasileiros começam a se planejar mais próximos da aposentadoria. Entre os entrevistados da pesquisa com mais de 45 anos, 19% já se planejaram; 27% entre os que têm entre 55 e 64 anos e 30% dos brasileiros 60+ se planejaram para o envelhecimento. Entre as mulheres, essa é uma pauta mais distante, em especial entre as com mais de 65 anos: somente 18% das entrevistadas – com idade entre 45 e 54 anos – começaram o processo de se planejar; 25% com idade entre 55 e 64 anos; e 24% somente aos 65 anos iniciaram o planejamento. Entre os homens, os índices são 20%, 33% e 45%, respectivamente. Entre 10 brasileiros, apenas dois já fizeram algum tipo de planejamento financeiro para a velhice. Mesmo sabendo que a longevidade exige um novo plano financeiro, pouco são os que realmente calcularam o valor que precisam poupar: 32% afirmam que nunca pensaram no tema; 23% já fizeram o cálculo.
Sobre a finitude, o momento é delicado. As inúmeras mortes de pessoas acometidas pela pandemia do novo coronavírus – sobretudo as prateadas – evidenciam a fragilidade humana e o ageismo. De invisíveis ao centro do debate sobre a pandemia da Covid-19, os maduros brasileiros passaram a ser vistos com um olhar de cuidado, proteção e preconceito. A gravidade da doença revelou uma mudança social que estava em curso, mas que tende a se acelerar pela consciência coletiva sobre o tamanho da população com mais de 60 anos. No país, esses brasileiros formam um exército de 30 milhões de pessoas que tiveram hábitos comportamentais e de consumo alterados.
Esse contexto aponta para uma reflexão e tomada de decisão essencial: o brasileiro precisa se planejar tanto para a longevidade, quanto para a finitude. Somos um dos piores países para se morrer: no ranking Qualidade da Morte, conduzido pela Economist Intelligence Unit, o país ocupa a 42ª posição entre 80 países. No cotidiano, 74% dos brasileiros não falam sobre a morte. Quando a ameaça à vida ganha proporções globais e palpáveis – como temos visto nesta pandemia – o assunto é ainda mais urgente. Mas, é importante lembrar que falar sobre finitude não se trata de abordar somente o luto, a perda, a saudade. Planejar a finitude é, acima de tudo, assegurar a liberdade de tomar as próprias decisões e honrar o legado. Planejar e organizar os documentos mais importantes da vida é essencial para auxiliar a família a lidar, com o mínimo de estresse, com questões como heranças, dívidas e outras pendências.
No mundo tem surgido startups que têm trabalhado com a temática da finitude. No Brasil, cito a Janno – da qual sou cofundadora –; no Japão, a Next Japan, um serviço que organiza, limpa e separa as roupas e objetos na casa da pessoa falecida, em especial, no caso de quem morava sozinho. Entre as norte-americanas, destaco a Cake (aplicativo que ajuda os usuários a comunicarem seus últimos desejos a entes queridos, médicos e advogados) e o Endwell Project (movimento que está ressignificando a experiência da morte por meio de conteúdo qualificado).
Por último, gostaria de falar que temos que pensar sobre o que fazer com os anos a mais que ganhamos de presente. A longevidade traz uma gama de possibilidades, mas também de responsabilidades – e, talvez, a principal delas é a ressignificação da vida após os 60 anos. Essa nova geração de maduros, que tanto revolucionou os costumes e a forma de viver na sua juventude, é chamada mais uma vez para inovar: na forma de viver a maturidade e a finitude.