Agenda de sobrevivência pode salvar negócios de uma crise ainda longe do fim, afirma Antonio Kandir
Convidado do MESA AO VIVO, doutor em Economia, ministro do governo FHC e Conselheiro de empresas, diz que Brasil deve demorar a recuperar atividade econômica e aponta cinco ações para empresas atravessarem a pandemia
São Paulo, 12 de Junho – A recuperação dos mercados financeiros nas últimas semanas, evidenciada pelas altas dos índices de ações, não está correlacionada com uma melhora da atividade econômica. O movimento é decorrente de uma dinâmica própria dos mercados, influenciada por juros baixos em todo o mundo. As observações são do economista Antonio Kandir, o convidado da segunda edição do MESA ao Vivo, evento promovido mensalmente pela Mesa Corporate Governance. No encontro online, Kandir falou sobre os desafios que a pandemia de covid-19 impõe às empresas em geral e aos conselhos de administração em particular.
Ministro do Planejamento e Orçamento durante o governo Fernando Henrique Cardoso, Kandir disse que a disponibilidade de recursos dos investidores globais e o cenário de taxas de juros reduzidas mundo afora naturalmente fomentam a busca por ativos de risco — o que acaba beneficiando a renda variável. No entanto, ele chamou atenção para uma espécie de “falsa recuperação”, que pode frustrar os investidores e empresários mais otimistas à medida que os indicadores econômicos dos próximos trimestres forem sendo divulgados.
Para além do mundo dos mercados financeiros, na economia real as empresas precisam continuar adotando medidas para se manter firmes e atravessar a crise com mais naturalidade, destacou Kandir, sugerindo uma espécie de agenda de sobrevivência corporativa. Com a visão de quem integra os conselhos de administração de sete empresas de variados segmentos, Kandir disse que o momento exige dos líderes empresariais uma “postura de navegador atento”, aquele que procura ter o máximo de informação, com cabeça aberta e disponibilidade para agir rapidamente.
Recuperação mais lenta no Brasil
De acordo com o economista, a crise brasileira deve ser mais profunda do que a média mundial, e três motivos explicam essa indesejada condição. Em primeiro lugar vem a dinâmica agressiva de disseminação do novo coronavírus no País — a cada semana são crescentes os números de mortos e infectados, mesmo sem se considerar uma provável subnotificação. “Ainda não sabemos nem se chegamos do pico da doença”, sublinhou.
A segunda razão é a dívida pública, que deve fechar o ano com níveis ainda mais alarmantes por causa da pandemia de covid-19. “Estaríamos razoavelmente tranquilos se pudéssemos voltar a fazer as reformas para controlar as contas, mas esse não é o caso.”
O terceiro ponto é “uma crise política que beira uma crise institucional”, como classificou o ex-ministro. “Ou muda completamente o padrão de comportamento do governo Bolsonaro ou teremos tempos muito difíceis até 2022”, avaliou.
Ações para sobrevivência
A agenda de sobrevivência corporativa sugerida por Kandir aos conselhos de administração tem cinco ações, partindo do desenvolvimento ou aperfeiçoamento de um sistema eficiente de comunicação. “Informação agora é ainda mais essencial para se saber o que está acontecendo com os clientes, como está o fluxo de caixa, qual a situação dos fornecedores, as condições do crédito, as atitudes dos concorrentes”, exemplificou. “O pior que se pode fazer neste momento é minimizar a crise, querendo fazer parecer que está tudo bem”, alertou.
A segunda ação desse plano de atuação depende de um bom gerenciamento de emoções — sobretudo em níveis normalmente mais delicados, como o que envolve a relação entre o conselho e CEO. “Sugerimos que o conselho converse mais entre si para abordar o CEO já com uma agenda mais organizada. Assim não se corre o risco de passar adiante ainda mais ansiedade.”
O terceiro ponto está na classificação como prioritária da gestão de caixa, tarefa que passa por um bom relacionamento com as fontes de recursos. “Uma empresa sólida tem necessariamente um bom time nessa área e acesso a crédito estável e de longo prazo. São os dois pilares fundamentais da geração de valor de uma empresa”, explicou.
Revisitar em profundidade a matriz de risco — que, segundo Kandir, mudou completamente desde o início da pandemia — é a quarta ação da agenda. “Essa crise ensina que uma empresa não pode mais ser completamente dependente de um suprimento que não consegue controlar”, alertou o economista, sugerindo que as companhias invistam mais na diversificação dos parceiros e fornecedores para minimizar as chamadas dependências excessivas. “A fonte de suprimentos deve ser diversificada.”
A última das cinco ações é a digitalização dos processos manuais. “Empresas que resistem quanto à interação digital vão morrer”, afirmou Kandir. “Revoluções e guerras historicamente agilizam esses processos de evolução tecnológica, mas as pandemias aceleram ainda mais”, completou.
Durante a transmissão, o sócio fundador da MESA Corporate Governance, Herbert Steinberg, questionou Kandir sobre a existência de uma ação mais relevante entre as cinco, aquela sobre a qual valeria a pena o conselho investir mais tempo e esforço. Para o economista, é inegável que os pontos envolvendo pessoas e fluxo de caixa acabam se sobressaindo. “Se não há dinheiro e se as pessoas chave da empresa não estão focadas, nada vai funcionar”, explicou o ex-ministro.
Para ver a participação de Antonio Kandir no MESA ao Vivo basta acessar o canal da consultoria no YouTube, onde todas as edições ficam disponíveis. O MESA AO VIVO é uma série de encontros promovidos pela consultoria Mesa Corporate Governance para debater os desafios econômicos e sociais ligados ao universo empresarial. As transmissões, mediadas pelo sócio e presidente da MESA, Luiz Marcatti, acontecem nas primeiras quintas-feiras de cada mês, sempre às 17 horas.