Lembre de Mim
A vida é um sopro, frágil e imprevisível. Pode terminar em um piscar de olhos, sem que haja tempo para dizer até logo. Sem que haja oportunidade para usar aquela roupa, ver aquele filme, dançar aquela música, abraçar aquela pessoa ou dizer eu te amo a quem poderia ouvir. Então, aos que ficam, só restará a lembrança dos bons momentos e, parafraseando o Lanterna Verde Hal Jordan em seu momento de maior insanidade nas histórias em quadrinhos, quando foi dominado pelo vilão Parallax, às vezes, “os bons momentos não são o suficiente”.
Mas deveriam ser. Deveríamos buscar entendimento diante uma situação irreversível – como a morte – e aceitar que só nos resta seguir em frente, afinal, a única certeza que temos ao nascer é que um dia iremos morrer – e pagar impostos nesse intervalo, claro.
É bem verdade que perder pessoas próximas nunca é fácil, não importa o quanto ela já tenha vivido, o sentimento inicial quase sempre é o de saudade, perda, tristeza, o que é normal, faz parte do luto. Nem todo mundo tem o bom senso da família da minha esposa – cujo sobrenome poderia ser Addams – por exemplo, na ocasião do falecimento da avó, já beirando os 100 anos. A partida se deu em casa, em paz e, enquanto os presentes aguardavam a visita do médico para atestar o óbito, o relógio bateu meia-noite, aniversário da minha sogra, e então a vovó ainda teve tempo de acompanhar o “parabéns pra você” para a filha pela última vez.
A princípio, concordo, pode parecer uma situação mórbida, mas depois de quase uma centena de anos, o quão privilegiado é alguém que se despede em paz, sem dor, rodeada pelo amor de várias gerações da família? Quem dera todos tivéssemos um destino assim.
Talvez devêssemos aprender também um pouco mais com nossos vizinhos mexicanos, que têm como principal feriado festivo o Dia dos Mortos, data em que, segundo a cresça popular, os mortos têm permissão divina para visitar parentes e amigos. Por conta disso, as pessoas enfeitam suas casas com flores, velas e incensos, e celebram com comida, bolos, festa e música.
Por aqui, temos o dia de finados, que costuma ser muito mais deprê do que seu equivalente mexicano, mas nunca é tarde para observar e aprender. E nem precisa cruzar a fronteira para isso, hoje, graças às maravilhas tecnológicas, é muito mais fácil aprender mais sobre culturas diferentes das nossas.
Recomendo, por exemplo, a excelente animação da Pixar “Viva – A Vida é uma Festa” (Coco, no original), que não tem nada de infantil, pelo contrário, apresenta, de forma divertida, uma visão interessante sobre a morte e oferece uma solução para lidar com a dor da perda. Lembrar-se. Sim, a melhor maneira de honrar aqueles que já partiram, acredito, é lembrar como eram enquanto estavam aqui, as coisas boas que fizeram, o amor que compartilharam, as mudanças que promoveram nas vidas que tocaram.
Assim, um neto pode conhecer a história de uma avó, mesmo que ela não possa mais embalá-lo. Um amigo pode se divertir com lembranças de aventuras vividas em outras épocas, uma família pode fortalecer os laços, trocar experiências e contar “histórias ao redor da fogueira” como faziam tribos antigas e sábias e será sempre como se aqueles que já se foram estivessem ainda aqui, prontos para dar um abraço.
Eu realmente não sei se depois que partirmos também, encontraremos as pessoas que amamos do outro lado. Espero que sim, para que seja possível continuar a festa e visitar de vez em quando, pelo menos na lembrança, aqueles que ficaram.
Então, se a morte é inevitável e irreversível, só podemos esperar que quando ela vier, tenhamos ao menos a certeza de que haverá aqueles que se lembrarão de nós.