Todos podemos ser vilões
Todo mundo é herói em sua própria história. Seja o traficante em confronto com a polícia, o policial que troca tiros com um assaltante, o presidente da República, o ex-presidente encarcerado, o juiz colocado em cheque sob acusação de caminhar por cima da Lei, enfim, todos nós somos protagonistas em nossas vidas e nos enxergamos, na maior parte do tempo, como o melhor que podemos ser e, quando não, sobram desculpas para justificar as falhas e erros.
Conseguir buscar uma visão além da nossa própria, que seja suficiente para enxergarmos de fora como somos e agimos é importante para que, enquanto estamos sempre acreditando agirmos como heróis, não nos tornemos o vilão. “Ou você morre herói, ou vive o suficiente para ver você mesmo se tornar o vilão”, diria um Harvey Dent ainda inocente e idealista a um reflexivo Bruce Wayne em Batman – O Cavaleiro das Trevas.
Claro, nesse processo de autoconhecimento também existe o risco de dar atenção demais ao que os outros dizem, estando sujeito a cair em análises maldosas ou recheadas de mau-caratismo, que podem abalar sua confiança, causar crises de depressão, síndrome do pânico, ansiedade, entre outros.
Apesar disso, vale a pena investir tempo e energia nessa evolução. Vale a pena analisar, quando possível, nossos relacionamentos, as formas como agimos e as ações que tomamos. Porque nem sempre, ainda que com a melhor das intenções, a forma como fazemos as coisas saem da maneira desejada. Às vezes pessoas se magoam. Em outras, cometemos erros, afinal, todos somos passíveis de errar e que atire a primeira pedra aquele que nunca o fez.
Classifica-se como psicopata a pessoa sem capacidade de sentir empatia, que ignora o sentimento alheio, sem demonstrar arrependimento ou remorso, adicionado ainda o egocentrismo extremo e a incapacidade de aprender com a experiência. Segundo pesquisas, apenas 4% da população (uma em cada 25 pessoas) pode ser classificada como essa condição. No entanto, quantas vezes não agimos de forma desumana, cruel e que beiram à doença mental? Quantas vezes não achamos que somos heróis, enquanto estamos agindo ou pensando como vilões?
Ao acreditar que uma mulher “mereceu apanhar” do seu companheiro por alguma razão. Ou comemorar a morte de uma criança nas redes sociais, apenas porque isso atinge a uma determinada pessoa, um “vilão da pior espécie”. Achar justo que um jornalista tenha os filhos ameaçados de tortura e morte, apenas porque discorda. (isso aconteceu com Glenn Greenwald recentemente). Desejar que determinada população morra de fome (algo extremamente cruel) por conta do resultado de uma eleição.
Sim, é muito fácil se render aos instintos, ao ódio, ao medo, à tentação de que seja punido aquele que pratica o mal. O olho por olho, dente por dente, parece muito tentador, mesmo que seja tão óbvio que assim viveríamos em uma sociedade de cegos e banguelas.
Afinal, estamos todos cheios de boas intenções – assim, como dizem, está o inferno – e a solução para um mundo melhor parece tão simples. Basta que eliminemos todos os maus. Era assim que Hitler pensava, por exemplo. Estava apenas eliminando os vilões e, boa parte da sociedade na época, ainda que não fosse capaz de cometer pessoalmente uma atrocidade dessas, fechava os olhos e acreditava que o führer estava apenas cumprindo com seu desígnio divino. E assim foram mortos mais de seis milhões de pessoas, entre homens, mulheres e crianças.
Enfim, às vezes é muito difícil saber quem é o herói e quem é o vilão, principalmente em uma sociedade em que cada um está cada vez mais preocupado em olhar apenas para si mesmo, ignorando o restante ao redor. Nos deram espelhos e, ao contrário do que diz a canção, não vimos um mundo doente, mas uma versão irreal de nosso próprio heroísmo distorcido.
Enquanto isso, ingere bebida alcóolica muito além do permitido para dirigir, sabendo que não há nenhuma força da Lei para pará-lo na estrada e ignorando o risco, não só à própria vida, mas de qualquer um que ouse cruzar o seu caminho. Engana, mente, trai, se corrompe. Cometes maldades em vários graus para se dar bem, não importa quem sejam os prejudicados. Acredita que o mundo é dos espertos.
E nisso tudo, mesmo sem capa, mesmo que caminhe entre os privilegiados se comparado a uma grande parcela de pessoas por todo o mundo, que ainda passam fome e frio, vivendo abaixo da linha da humanidade, posa de herói.