O otimismo não vai nos salvar
O mundo precisa dos otimistas. De gente que acredita que as coisas podem ser melhores e, mesmo quando as chances estão todas contra, não desistem. Quando vencem, viram heróis e entram para a História. Quando perdem, geralmente são esquecidos, ou alimentam o argumento dos pessimistas.
E o mundo precisa também dos pessimistas. Não aquele tipo agourento que acha que vai dar tudo errado, mas o que não se furta de avaliar a situação e de se preparar para o pior cenário, ainda que ele seja pouco provável. E que fique claro que não se trata de torcer contra, mas de saber que, às vezes, a realidade é cruel e atropela sem dó nossas esperanças e expectativas. Saber como lidar com isso, aliás, é o que pode proteger de uma frustração insuperável o otimista ou impedir que o pessimista seja incapaz de comemorar eventuais vitórias.
O otimismo não pode, também, nos deslocar da realidade. Muita gente tomou uma dose cavalar para terminar 2020 e iniciar 2021, uma boa parte até agindo como se bastasse ter pensamento positivo para que o coronavírus parasse de ser uma ameaça. Pena que otimismo não é vacina e, pendendo para os pessimistas, o número de casos e mortes continua subindo e várias países têm adotado medidas mais rígidas enquanto não é possível vacinar todo mundo.
No Brasil, temos dois extremos. Enquanto os otimistas acreditam que está tudo bem, os pessimistas apontam que não iniciamos a vacinação e que os 200 mil mortos até agora vão ganhar ainda muitas milhares de companhias, sendo um sem número evitável com ações como distanciamento social, uso de máscaras, uso de álcool em gel.
Não sou pessimista (a esse ponto), mas também não vivo fora da realidade e os fatos mostram que estamos bem longe de estar tudo bem. O otimismo é necessário e bem-vindo, mas é preciso lembrar que a epidemia não acabou e que estamos perto do pior momento desde o seu início, arriscando a superá-lo.
O otimismo é bom mas são 200 mil mortos e contando. O otimismo ajuda mas os serviços de saúde (público e privado) trabalham sob risco de lotação, o que ocasionaria falta de atendimento para todos, inclusive quem não tem coronavírus, mas precisa de atendimento médico. O otimismo é importante, mas se não houver ações baseadas na ciência, pesquisa, estudos e fatos, não se salvará vidas e nem economia.
É natural que nós, como seres humanos, criemos ciclos de tempo para organizarmos a vida, seria um caos se não o fizéssemos. Um novo ano deve e traz sim uma expectativa de que seja melhor, e de que sejamos melhores também como sociedade. Mas não se pode ignorar fatos, a realidade e a questão de que o tempo não funciona como nós queremos. Virar a “chavinha” de 2020 para 2021 não elimina qualquer problema existente, ainda que ajude a renovar nossas esperanças e forças para lutar por mudanças.
Infelizmente, depois de muita festa e comemoração pelo fim do último ano (ter sobrevivido já é motivo de alegria que muitos não tiveram e tantos outros perderam entes queridos), é hora de colocar os pés no chão e prestar atenção para os mesmos problemas.
Acredito que as coisas devem melhorar, eventualmente. Mas antes disso, há uma chance grande de piorar. Parafraseando Harvey Dent, vulgo Duas-Caras em Batman – O Cavaleiro das Trevas, “a noite é sempre mais escura antes do amanhecer”.
Pena que não estamos num filme e que por incompetência, irresponsabilidade e falta de empatia, muitos otimistas não estarão aqui para ver a luz do dia.
Por Luciano Rodrigues