Escrevi e saí lendo
Dom Ramon, nosso querido seu Madruga, disse certa vez que, para entender uma língua estrangeira, primeiro é preciso conhecer bem a anatomia das estrangeiras. Como um amante da língua (escrita), acredito que, apesar de capciosa, a afirmação do pai da Chiquinha tem lá sua verdade filosófica. Mas calma, não é bem o que ele quis dizer. Mas, como manda a anatomia, vamos por partes.
A linguagem está em constante evolução. Basta dar uma olhada na controversa reforma ortográfica que buscou unificar algumas regras gramaticais do português. E indo mais longe dentro de nosso próprio idioma, é notável a forma como as mudanças aconteceram e hoje quase ninguém se lembra delas. Textos dos anos 60, por exemplo, ainda vinham com acento em “êle” e qualquer novela de época nos relembra como antes nos tratávamos por vosmecê, que já era uma abreviação de vossa mercê e acabou virando você, para hoje se tornar simplesmente vc. Sim, a agilidade da internet, que criou uma linguagem quase própria, o “internetês”, ajudou a criar termos que deixou de beiço grande alguns linguistas – como o “logo menos”, expressão que ainda me causa calafrios de rejeição – e a agilidade para teclar – e todos estamos, em algum momento.
Como legítimo admirador do grande professor Pasquale, sou a favor do reconhecimento das novas formas de linguagem, ou melhor dizendo, do respeito às diferentes variações, coloquialismos e afins, e juro de braço levantado que, apesar de grande amor pela língua portuguesa e como um dos representantes das normas corretas (mínimo que se espera de jornalistas), não sou contra os atalhos e abreviações como vc, tb, tc e etc., no entanto, às vezes é preciso respirar fundo e olhar para as conversas que andam sendo desenvolvidas por aí nos ambientes virtuais, muitas vezes, impossíveis de se traduzir.
Até porque o princípio básico da comunicação é que emissor e receptor se entendam. Por isso, o internetês é aceitável tranquilamente dentro do ambiente virtual e em conversas informais, desde que os envolvidos se entendam. No entanto, não é incomum as pessoas abusarem das abreviações, uso incorreto das palavras e não se fazerem entendidos, ou simplesmente passarem vergonha. E, lógico, se em conversas informais isso se torna apenas motivo para encher páginas de memes engraçados com prints por aí, a coisa pode ser muito pior.
Por exemplo, há não muito tempo, alguém colocou um recado em um supermercado, anunciando a promoção na “Água de cocô”. Talvez muitos não tenham percebido e até se interessado pelo tal produto, mas eu jamais gostaria de levar para casa uma água extraída do vaso sanitário. Sim, um simples acento pode te complicar totalmente numa situação dessas.
E claro, muitas vezes os erros vêm de pessoas que não tiveram a oportunidade de estudar, ou seja, não cabe ridicularização, ou mesmo se achar superior por saber se comunicar de forma escrita. É preciso respeitar a história de cada um, ainda mais em um país como o Brasil, onde se estima que 30% da população seja de analfabetos funcionais, pessoas que sabem ler, mas sem capacidade de interpretar e entender o que estão lendo.
A forma de se comunicar é fundamental para o ser humano e aprender a fazer isso de várias formas, inclusive escrita, é enriquecedor. Duvide de qualquer um que ataque e faça troça da linguagem correta. Principalmente se ele for uma autoridade, é certo que sua intenção não é nobre e ele apenas tenha interesse em pessoas incapazes de entender o que leem, afinal, falta de conhecimento torna as pessoas mais fáceis de serem manipuladas.
Como costuma dizer Leonardo Sakamoto, falta amor no mundo, mas também falta muita interpretação de texto.