Era tudo mato
Sou totalmente avesso ao discurso do “no meu tempo…”, porque geralmente a expressão vem seguida de uma nostalgia romântica e que não reflete a realidade, mas apenas memórias de bons momentos vividos. O que, claro, não significa que eu também não tenha meus rompantes nostálgicos e não seja capaz de reconhecer as vantagens de se envelhecer.
Não são muitas, é verdade. A força diminui, o corpo já não responde como antes, a vista se cansa mais rápido, só para dar alguns exemplos que começam bem antes da terceira idade, logo ali, na meia idade. Claro, com hábitos saudáveis, sempre é possível envelhecer bem, até com algumas vantagens sobre quando se era jovem, já que a experiência nunca pode ser subestimada.
Uma grande vantagem da passagem dos anos, aliás, é a bagagem de vivência que vamos adquirindo e, na maioria das vezes, desde que saibamos como gerenciar e reconhecer esse privilégio, pode nos tornar pessoas melhores. Afinal, se para a atual geração é comum nascer conectado, de olho na tela do celular, também é um grande orgulho dizer que quando chegamos por aqui, era tudo mato – em alguns casos literalmente.
Talvez por isso, pessoas mais idosas gostem de conversar e contar sobre sua mocidade. Não significa que, necessariamente, naquela época que era bom – insisto que muito disso é apenas nostalgia fantasiosa –, mas que conhecer as transformações pelas quais nosso mundo passou é uma experiência incrível. É como o Capitão América levantando a mão para dizer que entendeu a referência.
Por exemplo, embora hoje os jogos de videogame impressionem pela qualidade gráfica e outros fatores, sendo que muitos jovens fizeram de jogar uma profissão, só quem caminhou pelos anos 80 vai saber como era controlar um carro que parecia um caranguejo numa corrida de vários dias em Enduro, em um joystick com apenas um botão (e não à toa, muitos desses games antigos estão sendo relançados, apoiados na nostalgia).
Se hoje entramos em pânico quando saímos de casa sem o celular, imagina na época que era na base de ficha para ligar de um telefone público? Aliás, isso me lembra que muita gente nem sabe que a expressão “cair a ficha” tem a ver com essa (não tão) bela época de que só dava para ligar para alguém pelo orelhão – a não ser que você fosse rico com telefone próprio.
Estudantes de hoje, que copiam e colam tudo do Wikipedia para trabalhos escolares, achando que isso se chama pesquisa, dificilmente entenderão como era ir até a biblioteca, selecionar livros sobre o assunto e tirar cópia das partes importantes. Tão pouco saberão como é fazer uma prova na escola embriagado pelo cheiro de álcool. E não tinha nada de errado com isso, era o efeito das cópias mimeografadas.
Não saberão a sensação de comprar um disco ou CD apenas por causa de uma música, ou esperar ela tocar na rádio para gravar numa fita cassete ou, ainda, o pânico e o desespero para parar o aparelho quando a fita enrolava no aparelho.
Essas coisas eram boas? Não necessariamente, muitas delas foram substituídas com grande eficiência atualmente, sejam as cópias rápidas e sem cheiro; a internet, que nos proporcionou um mundo conectado e totalmente diferente do que vivíamos antigamente; os serviços de streaming – seja na música ou nos filmes – e tudo o mais que veio para deixar a vida mais fácil, divertida ou confortável.
Lembrar com carinho de tudo que passamos, no entanto, não tem nada de errado e merece respeito. Afinal, pode ser que, muitos dos locais que eram mato antigamente, hoje sejam pavimentados, talvez até com uma linda fonte decorada e jorrando água colorida. Mas não há dúvida que houve muito trabalho para que aquele lote fosse capinado e a experiência dessa transformação, só quem esteve lá pode saber.