Barbearia Gourmet
Desde épocas remotas, quando nossos ancestrais faziam pinturas nas paredes das cavernas e viviam em tribos, muitas vezes nômades, que o homem procura formas de customizar a sua aparência. Foi, aliás, o grande arqueólogo Mauricio de Sousa que registrou a primeira imagem de um homem pré-histórico, diferenciado dos demais por trazer um prego gigante em sua clava de caça. A esse, deu o nome de Piteco.
Desde então, a civilização evoluiu e as peles de animais foram substituídas por tecidos cada vez mais estilizados, as pinturas corporais viraram tatuagens de todas as formas, tamanhos e estilos, e os seres humanos encontraram cada vez mais formas de se diferenciarem dos outros, embora a necessidade de pertencer a um grupo ainda seja mais forte do que a individualidade.
E como tudo que avança e evolui, claro, há exageros – a expressão “pendura uma melancia no pescoço” deve ter surgido em alguma situação dessas – e outros casos em que nem sabíamos que precisávamos antes de que existissem, alguns tornando-se essenciais à vida cotidiana, outros apenas um excesso supérfluo.
Um exemplo são as barbearias que se espalharam por todo lugar. Não sou a pessoa mais adequada a dizer em qual categoria elas se encaixam – essenciais ou supérfluas –, até porque desde sempre que eu mesmo faço a minha barba (toda torta) e corto o cabelo com a mais renomada e confiante profissional que já caminhou pela face da Terra (minha mãe), com raras exceções, inclusive aquela que dei a maquininha na mão da minha esposa e disse “seja o que Deus quiser”… Afinal, se tenho amigos que desde adolescência cortam o próprio cabelo, por que eu não poderia?
Mas talvez, pensando nisso, nesses caras que não abrem a mão nem para cumprimentar, as barbearias se viram obrigadas a evoluir e se tornarem um tipo de “barbearia gourmet”. Felizmente, diferente de muitas comidas gourmetizadas, que só tiveram acréscimo no preço, os ambientes em que antes se ia para cortar o cabelo, quando muito se trocava uma conversa durante a espera, lendo o jornal do dia ou uma revista de dois anos atrás, virou outra coisa.
Agora, ao sair para aquele tapa no visual, antes de deixar o “bigodin finin e o cabelin na régua”, é possível desfrutar de um verdadeiro playground masculino. Tem cerveja (via de regra, artesanal), mesa de sinuca, fliperamas, canal Premiere de futebol e/ou UFC, entre outras coisas. Dizem que os mais chiques têm até minigolfe, bebida que pisca e shows ao vivo.
O atendimento especial, claro, não fica só na sala de espera e na hora da ação o glamour continua. O tratamento dado à barba é de primeira. Tem xampu e creme, tem toalha aquecida de tecido egípcio (produzido na China) e ferramentas para aparar suficientes para causar inveja aos torturadores da idade média – felizmente, aqui, usadas sem o mesmo objetivo.
A cabeleira também não fica de fora no atendimento para a “very important person” que se senta em alguma das cadeiras – geralmente vintage, que significa algo clássico, antigo e de excelente qualidade e, nesses casos, costuma passar a sensação de conforto aos clientes – e o trabalho é completo e daria orgulho aos pioneiros dos desenhos em cabelos, que devem ter se popularizado na década de 90, quando as maquininhas de cortar cabelo se tornaram mais acessíveis e um a cada três adolescentes achava que era artista ou, pior, aceitava servir de “tela” para o pretenso.
Enfim, seja qual for o seu papel nesse desenvolvimento civilizatório, desde o dito cujo que se senta na cadeira, até o mestre tesoureiro que manuseia com astúcia e perícia o objeto de corte, o mais importante é perceber que o mundo é grande e, mesmo ali, numa atividade tão corriqueira e banal para alguns, pode existir um microcosmo gigantesco de variedades prontas para serem descobertas.