A grama sempre mais verde do vizinho
Foi o sábio e divertido caranguejo Sebastião que muito bem disse que “o fruto do meu vizinho parece melhor que o meu, seu sonho de ir lá em cima, eu creio que é engano seu” a uma jovem e iludida Ariel. Claro que, como os outros contos de fada da Disney, tudo deu certo no final e a pequena sereia virou uma mulher linda depois de ser beijada pelo seu príncipe e foi viver o sonho americano. Na vida real, no entanto, as coisas não costumam ser tão certinhas assim.
Não é de hoje que muitas pessoas acham que a grama do vizinho é mais verde, mas, sem a menor dúvida, as redes sociais amplificaram isso de maneira incomensurável – e qualquer situação que exija uma palavra tão bela quanto essa (ainda mais se for na voz do professor Girafales), só pode ser importante.
Mas é verdade que desde os tempos do falecido Orkut, que ter uma lista do que os amigos estão fazendo deixou de ser uma diversão boba para se tornar, para muita gente, motivo de sofrimento e agonia. “Como fulano pode viajar tanto? Como pode ser tão feliz? Como pode estar sempre bem?”, se perguntam os que costumam ter os olhos mais gordos e de fazer inveja no Zeca Pimenteira, personagem de Jovani Mendez Nunes, que fez muito sucesso na antiga versão do Zorra Total.
E percebendo esse novo filão de mercado, eis que surgiram os “digital influencers” (influenciadores digitais) que, na linha de novidades que a gente passaria muito bem com pelo menos uns 80% a menos, estão um degrau abaixo dos youtubers, e lado a lado com os Coaches de qualquer coisa.
O coach, que pode ser tanto um entendido em algum assunto com muita experiência e conhecimento para transmitir, como também um bocó qualquer com confiança em excesso e escassez de utilidade, virou uma febre nos últimos anos e, como não poderia deixar de ser, espalhou-se ainda mais por conta da internet, essa ferramentazinha marota, tão útil e perigosa ao mesmo tempo.
Mas então, eis que nesse ambiente virtual, vimos surgir coaches de tudo; sobre a vida financeira, relacionamento, felicidade, motivação, animais de estimação, paternidade, enfim, acredito que todas as áreas são abrangidas. Algumas vezes, em situações inusitadas, como no caso do “Primo Rico”, que dá dicas para alcançar a independência financeira (me convidaram para participar das lives dele às 5h da manhã, mas poucas coisas no mundo me motivariam a acordar tão cedo – dicas para ganhar dinheiro não estão entre elas) e que, recentemente apareceu em destaque na mídia por ter um imóvel avaliado em R$ 1,7 milhões indo a leilão por falta de pagamento. “Eu classifico isso como uma experiência”, defendeu-se, pouco antes da matéria alertar que seus advogados pediram um tempo maior para que ele pague o processo (de R$ 8 mil), porque está com falta de recursos, e de um documento de 2016, em que ele declara pobreza, circular pela internet.
Bom, não sou habilitado para julgar nada e nem ninguém, muito menos tenho formação em coaching, mas acredito que alguém que dá dicas sobre alcançar a independência financeira não passaria por esse tipo de situação, sei lá. A não ser que declarar ser pobre faça parte da estratégia, aí eu já apliquei muito na vida.
Mas esse é só um exemplo, teve aquela outra que recomendou que quem está desempregado procure uma empresa e trabalhe pelo menos duas semanas sem receber e que esse trabalho voluntário vai convencer a empresa a contratá-lo. É… só que não, né?
Enfim, a verdade é que, pessoa ou sereia, desde sempre nos é comum achar que a situação do outro está melhor, principalmente quando enfrentamos alguma dificuldade ou, ainda, acreditar em fórmulas quase mágicas, que levem ao sucesso, ao corpo perfeito, à riqueza ou seja o que estiver buscando. No entanto, é importante ter cautela e lembrar sempre que, talvez você nem perceba, mas para o seu vizinho, sua grama também pareça bem mais verde no fim das contas.