Multas do Ibama despencam apesar de recorde de queimadas no Pantanal
O Pantanal está enfrentando sua pior crise das últimas décadas. Sob uma seca severa, o bioma sofre com queimadas provocadas pelo homem e já teve cerca de 15% de sua área devastada pelas chamas, segundo dados do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo).
Mesmo assim, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) diminuiu o ritmo das operações de fiscalização em Mato Grosso do Sul em 2020.
A queda se reflete nas multas aplicadas: autuações relacionadas à vegetação (como desmatamento e queimadas ilegais) caíram 22% em 2020, em comparação com o mesmo período do ano passado.
De 1º de janeiro de 2020 até a segunda-feira (14/09), o Ibama aplicou 50 multas contra infratores de Mato Grosso do Sul, por violações envolvendo a vegetação. No mesmo período de 2019, foram registrados 64 autos de infração. A maior parte (65%) do bioma do Pantanal fica no território sul-mato-grossense.
O restante da área do bioma (cerca de 35%) está no Estado de Mato Grosso. Ali, a queda nas multas foi ainda maior: em 2020, foram 173 infrações relacionadas à flora, ante 361 em 2019. Uma redução de 52%. Juntando os dados das infrações nos dois Estados que abrigam o Pantanal, a queda é 48%.
Dados consolidados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgados na segunda-feira (14), mostram que os incêndios na região do Pantanal cresceram 210% em 2020, em comparação com o mesmo período do ano passado. A região registrou 14.489 focos de calor este ano, contra 4.660 em 2019.
O fogo já destruiu uma área de 2,3 milhões de hectares no Pantanal — pouco mais que o território do Estado de Sergipe, ou quase quatro vezes a área do Distrito Federal. Os números são do Prevfogo.
O Pantanal é a maior área úmida continental do mundo, e é também lar de uma imensa biodiversidade. São cerca de 2 mil espécies de plantas; 582 espécies de aves; 132 de mamíferos; 113 de répteis e 41 de anfíbios. Imagens recentes da região mostram como a destruição provocada pelo fogo coloca em risco estas formas de vida.
Menos fiscais, mais burocracia
Segundo servidores do Ibama ouvidos pela BBC News Brasil, há vários fatores por detrás da queda no número de autuações do órgão: desde a redução no contingente de fiscais até a criação de novas rotinas administrativas.
“O número de autuações lavradas é um dado importante que pode traduzir o esforço do governo em punir realmente aqueles que cometem crimes ambientais. Quanto menor a presença da fiscalização em campo, fazendo o seu trabalho de responsabilizar os infratores, maior a sensação de impunidade”, disse um servidor do órgão à BBC News Brasil, sob condição de anonimato.
Segundo ele, a redução de efetivo do Ibama é uma das principais causas da piora na fiscalização.
“O Ibama perdeu metade do seu efetivo de fiscalização nos últimos anos. Atualmente são menos de 600 agentes de fiscalização para atuar em todo o território nacional, incluindo a Amazônia Azul (a zona econômica exclusiva do Brasil no Oceano Atlântico). Para se ter uma ideia do quão irrisório é isso, só Polícia Militar do Estado de São Paulo tem hoje quase 83 mil policiais na ativa”, compara o servidor.
“Outro fator que prejudicou bastante o andamento, não só das ações de fiscalização ambiental, mas também o próprio planejamento e a execução das ações de prevenção e combate aos incêndios florestais no país, foi decisão do governo pela nomeação e ocupação dos cargos de gestão do Ibama por pessoas sem qualquer experiência na área”, disse ele à BBC News Brasil, por meio de mensagens de texto.
“Hoje no Ibama temos PM reformado da Rota responsável por todas as ações de prevenção e combate aos incêndios florestais em áreas da união. O resultado disso foi o atraso de três meses na contratação dos brigadistas que não tiveram o tempo necessário para fazer os trabalhos de prevenção”, diz o servidor. Ele se refere ao coronel da PM de São Paulo Olímpio Ferreira Magalhães, nomeado em abril deste ano para o cargo de diretor de proteção ambiental do Ibama.