Pesquisa desenvolve modelo para explicar por que idosos são mais suscetíveis à COVID-19
Um grupo internacional liderado por pesquisadores da Universidade de Oxford, do Reino Unido, desenvolveu um modelo matemático que pode explicar por que crianças são menos suscetíveis à COVID-19, enquanto os mais velhos respondem pelos casos mais graves.
Ao cruzar dados de faixa etária dos infectados e severidade dos casos na Europa, os pesquisadores concluíram que a exposição a diversas espécies de coronavírus endêmicos na infância – os HCOVs, que, na grande maioria das vezes, causam apenas resfriados comuns – induziria uma resposta imune também capaz de proteger contra o novo coronavírus.
Porém, após sucessivas exposições a esses HCOVs ao longo da vida, o sistema de defesa se tornaria tão especializado que já não seria capaz de reconhecer e combater vírus emergentes, como o SARS-CoV-2. O estudo, que teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foi divulgado na plataforma medRxiv, ainda sem revisão por pares.
Além de autores de Oxford, o artigo é assinado por pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, e das universidades de Tel Aviv, em Israel, Federal de Minas Gerais (UFMG) e de São Paulo (USP).
“Hoje, é evidente que a maioria das crianças e adolescentes experimenta quadros médios ou assintomáticos de COVID-19, enquanto pessoas mais velhas têm um risco maior de sofrer sintomas severos. Nossa hipótese é a de um mecanismo que pode explicar a severidade nesses dois grupos a partir das diferentes exposições que tiveram aos coronavírus endêmicos, que se estima serem responsáveis por quase um terço dos resfriados comuns”, conta à Agência Fapesp Francesco Pinotti, pesquisador da Universidade de Oxford e primeiro autor do trabalho.
Coronavírus
Sete coronavírus são conhecidos por infectar humanos. O SARS-CoV-2, causador da COVID-19, apareceu no fim do ano passado, enquanto os outros dois que podem causar problemas respiratórios graves – SARS-CoV-1 e o MERS – surgiram após os anos 2000.
O pesquisador explica que a exposição na infância aos quatro coronavírus humanos endêmicos – os HCOVs identificados pelas siglas 229E, NL63, OC43 e HKU1 – pode gerar uma proteção cruzada, ou seja, imunidade não apenas a eles mesmos, como também a coronavírus emergentes como o SARS-CoV-2.
A hipótese do grupo é que, à medida que os mais velhos se expuseram ao longo da vida a esses HCOVs, o sistema imune se tornou mais especializado contra eles. Essa especialização, ou resposta homotípica, os protegeu de infecções desses coronavírus endêmicos, mas teve como desvantagem a perda da proteção cruzada (resposta heterotípica) a novas variedades, como o SARS-CoV-2.
Como a primeira infecção de HCOV ocorre até os cinco anos de idade, essa faixa etária é a que tem os casos mais graves de COVID-19 entre as crianças e adolescentes. Ainda assim, a severidade é muito menor do que entre os adultos e idosos. O modelo mostra que a proteção é maior a partir dos cinco anos e diminui progressivamente a partir daí.
Proteção cruzada
“A ideia do estudo é propor uma explicação possível para esse perfil de severidade da doença de acordo com a idade, além de chamar a atenção para a necessidade de estudar mais a reatividade cruzada entre os coronavírus endêmicos e o SARS-CoV-2. O papel da exposição aos HCOVs, que são muito comuns, inclusive no Brasil, de modo geral vinha sendo subestimado nessa pandemia”, diz à Agência Fapesp Daniel Santa Cruz Damineli, pesquisador da Faculdade de Medicina (FM) da USP e coautor do estudo, realizado com bolsa de pós-doutorado da Fapesp.
Novos trabalhos, porém, têm começado a chamar a atenção para a proteção cruzada. Um estudo publicado na Science por pesquisadores dos Estados Unidos e Austrália, no começo de agosto, mostra a presença de células de defesa (CD4+T) compatíveis com a resposta imune ao SARS-CoV-2 e aos HCOVs em amostras de sangue coletadas antes da pandemia. Estima-se que essas células existam em torno de 20% a 50% da população.
O próprio Damineli faz parte de um grupo de pesquisadores do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina e do Instituto de Matemática e Estatística (IME), ambos da USP, que investiga respostas genômicas de crianças e adultos com quadros assintomáticos e graves de COVID-19.
O estudo, liderado por Carlos Alberto Moreira Filho, professor da FM-USP, é parte de um projeto financiado pela Fapesp. O objetivo é buscar diferenças na expressão de genes em células do sangue desses pacientes que expliquem os quadros diversos da doença.
“Estudos imunológicos serão críticos para esclarecer o papel da imunidade preexistente durante as infecções por COVID-19”, diz Pinotti.
Imunidade
Os pesquisadores não descartam a chamada senescência do sistema imune. O princípio, que até então era usado para explicar a maior suscetibilidade de pessoas mais velhas ao SARS-CoV-2, é baseado no fato de que a imunidade geral cai à medida que as pessoas envelhecem.
O novo modelo, porém, é mais preciso porque considera a variabilidade da resposta imune dentro de cada faixa etária, que tem pessoas que respondem melhor ou pior ao vírus. O modelo de senescência, por outro lado, apenas prevê a piora gradual com a idade e não considera fatores como os diferentes graus de exposição a vírus de cada indivíduo.
Pinotti lembra, contudo, que o estudo é majoritariamente teórico e suas conclusões são hipotéticas. “Em última instância, testar nossa hipótese requer dados sobre exposição aos HCOVs ao longo do tempo, o que é particularmente difícil de se obter”, diz. O trabalho, no entanto, abre caminho para investigar a fundo o papel da proteção cruzada na imunidade ao novo coronavírus e mostra a importância de estudar a ocorrência dos HCOVs.
O artigo (em inglês) pode ser lido em: www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.07.23.20154369v1.