Fusões e aquisições: como será o cenário pós-pandemia?
Por Ana Malard e Lorena C.S. Castilho
O ano de 2020 sequer acabou, mas já entrou para história devido a maior crise global dos últimos tempos, segundo a ONU. Afetando a saúde, economia e até o cenário político de alguns países, como o Brasil e os Estados Unidos. Com esse cenário, paira uma dúvida no mercado: com será o pós disso tudo? O que acontecerá com empresas do setor público e privado de modo geral?
Não há uma resposta contundente para essas perguntas, mas há alguns cenários que podem ser considerados atrativos, por exemplo, para as empresas privadas, a possibilidade de fusões e aquisições, para as estatais há a privatização como forma de desonerar os gastos públicos, no setor aéreo especula-se bastante sobre o codeshare e as startups terão que crescer com capital próprio nesse momento inicial. Assim, analisamos esses setores com mais profundidade para apontar as tendências e possibilidades em cada um deles:
M&A
Diferente do que muitos acreditam, o M&A (Mergers and Acquisitions), não é algo restrito ao universo das grandes empresas. Para alguns negócios essa é uma das opções mais interessantes para crescer ou se manter no mercado. Além disso, em uma operação de M&A as empresas unem diferentes talentos, compartilham modelos de negócio que deram certo, forças e experiências para a evolução dos negócios, além do capital que pode ajudar na recuperação de uma e crescimento da outra.
Um dos últimos casos mais conhecidos, foi a compra da Netshoes pela Magalu. Houve uma disputa entre outras interessadas, com ofertas ainda maiores que a da Magazine, porém o modelo de negócio online bem sucedido da varejista fez com que o conselho do e-commerce de artigos esportivos apostasse mais na gestão bem feita da empresa para o crescimento da plataforma do que no valor a pago nas ações.
Neste cenário de pandemia, muitas companhias não conseguirão se reerguer sozinhas e outras estão surfando neste momento. Fazendo uma análise bem rápida do setor, as grandes redes de supermercados e home centers tiveram seus negócios impulsionados durante a crise. É possível que em uma retomada pós pandemia abra precedente para fusão ou aquisição de concorrentes menores que não conseguiram enfrentar a crise.
Setor público
O setor público também é passível do segmento de M&A, porém o processo é um pouco diferente e também é conhecido como privatização ou Parceria Público-Privada (PPP). É preciso que as empresas ou consórcios interessados participem de um processo de licitação que elegerá a empresa que é capaz de prestar o melhor serviço, por um tempo pré-determinado e que também poderá explorar essa parceria com cobrança do serviço, entre outras atividades. Porém, o mais importante nestes casos é que as empresas prestem um serviço de qualidade para a população.
Uma das promessas de 2020 do governo federal é a da privatização de aeroportos, portos, serviços essenciais (água, luz e entregas). Principalmente, porque a dívida pública federal do Brasil chegou a R$ 4,251 trilhões em maio, com crescimento de 2,17% sobre abril, interrompendo dois meses de queda, segundo nota divulgada pelo Tesouro Nacional. Os gastos públicos saíram do controle, em um momento que o país vinha se recuperando. E o Ministro da Economia, Paulo Guedes, não está conseguindo viabilizar a pauta econômica proposta no início do governo. Há uma discussão intensa no cenário político sobre a privatização de algumas empresas estatais.
A privatização é uma decisão importante para a liquidez dos cofres públicos e também para desonerar a folha de pagamento, passando para o setor privado a manutenção dos empregos e a melhoria na oferta do serviço. Há uma visão que essa manutenção possa ficar mais cara, porém é um preço a ser pago por um serviço de melhor qualidade, como se espera que seja. Há casos de parcerias público-privado que funcionam melhor do que quando estatizados. Como as rodovias, telefonia, transporte ferroviário, aeroportuário, entre outros. Isso não significa que não tenham seus problemas, mas que agora são de responsabilidade de outra esfera que não é mais a pública.
Turismo e negócios
Não só as aéreas, mas todo o setor de viagens – seja de negócio ou turismo – está sofrendo muito com a pandemia. Muitos irão recorrer ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) por um pacote de socorro. Neste caso, o M&A é um processo mais complicado, pois há hoje poucas empresas prestando serviço no país, o que no caso de fusão uma fusão entre duas grandes caracterizaria monopólio e quebraria as demais.
No setor aéreo, uma das saídas que tem sido bastante especulada é um possível acordo de codeshare entre duas grandes companhias, fazendo com que elas compartilhem a venda de passagens e o atendimento aos clientes. Neste caso, o acordo de codeshare não é caracterizado como fusão, mas deve passar por aprovação do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e demonstrar que é pela sobrevivência do setor, por um prazo determinado e que não haverá prejuízos ou práticas desleais com as outras empresas do setor, a fim de monopolizar o segmento. É bastante complexo, então, é analisado com a mesma complexidade que necessita uma fusão ou aquisição.
Startups
Ano passado, definitivamente foi o ano dos unicórnios brasileiros. O setor brasileiro de startups teve, ao longo de 2019, 60 operações de fusões e aquisições – um crescimento de 233% com relação ao ano anterior, com 18 negócios, de acordo com estudo da consultoria Distrito. Principalmente, para os empreendedores de meios eletrônicos de pagamento (fintechs), mobilidade ou last mile, entrega de produtos e serviços ao consumidor final. Porém, esse ano o investimento deve ser freado e as empresas precisarão provar que são capazes de gerar lucro e sobreviver de capital próprio.
Saíremos do modelo de negócio onde o equity era mais importante que o profit e voltaremos para o investimento em empresas que lucram. As startups SaaS (Software as a Service), que entregam tecnologia aliada à sustentabilidade devem chamar a atenção de investidores se conseguirem sair da crise com saldo positivo. Inclusive é na crise que podem surgir novas oportunidades, empreendedores que resolverem problemas atuais e lucrarem entrarão no radar de grandes fundos e empresas interessadas em incorporar tal expertise.
Avaliação de riscos
A expectativa para 2020 era positiva, mas jamais imaginou-se que uma crise fosse afetar o mundo todo, em menos de seis meses. E, hoje, principalmente, o Brasil está sob o olhar de todos por conta do crescente número de casos da Covid-19, disputa política, questões ambientais e entre outros fatores. O que deixa o cenário ainda mais preocupante para quem quer investir no país. Porém, ainda sim, o Brasil voltou em 22º lugar para a lista dos 25 países mais atraentes para investimento, segundo relatório do IED (Índice de Confiança do Investimento Estrangeiro Direto) da Kearney. A pergunta é por quê? Simples, o Brasil possui uma grande extensão territorial, somos produtores de diversas matérias-primas que são exportadas, temos negócios com as principais potências, e apesar da desigualdade social, temos um poder de adoção a inovação muito grande, vide o caso das fintechs que em pouco tempo tornaram-se cases para o mundo todo. Sendo assim, como pensam os investidores na hora de avaliar risco? Existem dois perfis de investidores:
Os arrojados
São aqueles que possuem bastante capital e aproveitam esse momento de crise para investir em empresas com dificuldades, apostando que após a recessão o valor de mercado pode subir ou que elas se recuperem trocando a gestão e investindo em eficiência. Este perfil acredita que é na crise que os investimentos acontecem.
Os conservadores
Já esses decidem enxugar estrutura nesse contexto – vão apostar num crescimento orgânico e seguro de seus investimentos. E se investirem, apostarão em empresas que têm negócios resilientes como é o caso da agropecuária e do e-commerce, que cresceram exponencialmente em meio à crise.
O que falta para o Brasil em M&A?
Para um investidor é importantíssimo entender o mercado e avaliar a nota de risco do investimento. Porém, não é tão simples fazer isso no Brasil por conta da complexidade de seu sistema burocrático e tarifário. Há uma pressão do mercado para tornar os processos mais simples, mas nada concretizado ainda. Mesmo durante o período de pandemia, nada mudou. Os processos para pedidos de aprovação dos atos de concentração econômica continuam os mesmos. Inclusive a taxa para avaliação processual é de R$ 85 mil e o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) continua bastante criterioso.
O atual governo chegou a dar indícios de uma flexibilização ano passado com a aprovação da Lei nº 13.874/19, mais conhecida como Lei da Liberdade Econômica, de forma sútil. A desburocratização das atividades econômicas privadas ainda é uma das bandeiras desse governo, mas resta saber quando a agenda será retomada de fato e se as empresas terão capital ou sobreviverão até lá.