Painel do momento sindical no Brasil até a COVID-19
Apesar de direitos constitucionalizados, e o discurso de ruptura com o passado, permaneceram a unicidade sindical e o imposto sindical da era Vargas. Mais tarde, a partir de 2016, essa acomodação cobraria um alto preço do movimento sindical.
No Brasil o crescimento mais expressivo dos sindicatos como entes representativos de trabalhadores, e posteriormente de empregadores, se deu a partir de 1930, embora desde o Século XIX já houvesse registro do associacionismo sindical obreiro (Godinho, 2006).
No decorrer do Século XIX os trabalhadores já percebiam que o sujeito contratante da relação de trabalho era um ser coletivo, e as ações deste ente tinham impacto na vida social e econômica de cada trabalhador. Desta forma, seria inviável o estabelecimento de negociação por melhores condições de trabalho, de forma individual, sem se expor a um ente sem rosto que poderia reprimir ou dispensar o trabalhador descontente.
Mas é certo que as condições precárias de trabalho que afetavam a todos coletivamente foram percebidas por cada trabalhador, e este foi amálgama das primeiras associações de trabalhadores, bem explorada em Germinal, obra histórica de Émile Zola.
Naquele momento histórico a jornada de trabalho era extensa, prolongada com a descoberta do lampião a gás, por William Murdock, em 1792, chegando até a 18 horas no verão. Habitualmente terminava com o pôr do sol, mais por questão de qualidade de trabalho, do que por proteção aos aprendizes e companheiros. A partir do momento em que foi inventado o lampião a gás, o trabalho passou a ser prestado habitualmente de 12 a 14 horas por dia (Martins, 2002).
Nas fábricas, onde a disciplina do operariado era mais urgente, descobriu-se que era mais conveniente empregar as dóceis (e mais baratas) mulheres e crianças: de todos os trabalhadores nos engenhos de algodão ingleses em 1834/47, cerca de um-quarto eram homens adultos, mais da metade era de mulheres e meninas, e o restante de rapazes abaixo dos 18 anos (Hobsbawm, 2009)
Diante deste quadro, uma associação de trabalhadores também deveria ser um ente coletivo, desprovido de um “rosto”, e em condições iguais e com a mesma impessoalidade dos seres coletivos empresariais. Portanto, se por um lado tínhamos a experimentação social comum da precarização das condições de trabalho, e acumulação de riqueza do capital como forte fator sócio econômico, concomitantemente havia o surgimento dos primeiros manifestos e leis sobre condições de trabalho.
Além das primeiras leis especialmente voltadas à proteção de crianças e mulheres, em especial na Inglaterra e na França, dois documentos centrais teriam repercussões seculares. Um deles, por meio da Igreja Católica, durante o pontificado do Papa Leão XIII, que em 1891 publicou a encíclica Rerum Novarum, com posicionamento sobre a relação entre capital e trabalho. Foi a resposta da Igreja Católica ao Manifesto Comunista de Marx e Engels (1848).
No âmbito dos Estados Nacionais, dada a preocupação despertada pela Revolução Russa em 1917, as cartas constitucionais absorveram o direito do trabalhador de união por meio de sindicatos, dentre outros direitos. A união dos trabalhadores foi a consequência lógica desta realidade histórica.
No Brasil, os sindicatos surgiram com mais força a partir de Getúlio Vargas com a consolidação da esparsa legislação do trabalho até então existente. Era a percepção de que haveria que se realizar algumas concessões aos trabalhadores em face da expansão socialista.
Porém, os sindicatos foram constituídos com a intervenção do Estado em sua estrutura, haja vista a harmonia das relações pregadas pelo fascismo de Vargas.
Um imposto foi criado, o sindical compulsório, com o objetivo de sustentar a existência das entidades, além da criação do conceito de unicidade sindical.
Mais à frente, durante os anos de 1970/1980, surge um “novo sindicalismo, em boa parte resultado da ampliação do parque industrial do ABC Paulista e do nascimento de uma pujante classe operária cobrando melhores condições salariais. Esse movimento foi marcado pelo discurso de ruptura com o passado, central envolvimento com a esquerda, e buscando garantir participação nas negociações de abertura política para a democracia em razão do colapso do regime militar (Antunes, 2018).
Com isso, organizou-se a CUT, Central única dos Trabalhadores, com forte relação com o também recém-criado Partido dos Trabalhadores, sob a liderança de um sindicalista, Luis Inácio da Silva, o Lula.
A forte expansão da classe trabalhadora, de forma concentrada no ABC, propiciou a unidade coletiva organizacional desejada para uma forte representação sindical. Assim, na década de 80, o Brasil possuía um dos maiores índices de greves no mundo (Antunes, 2018).
A fragilidade econômica no fim do regime militar propiciou as condições políticas necessárias para o novo sindicalismo atuar politicamente por meio de greves, dentre outras ações. Em 1988 o ápice do movimento ocorreu com a constitucionalização de vários direitos previstos na CLT, o direito de livre associação e a ruptura definitiva da presença do governo em sindicatos foram inseridos na Carta.
Apesar de direitos constitucionalizados, e o discurso de ruptura com o passado, permaneceram a unicidade sindical e o imposto sindical da era Vargas. Mais tarde, a partir de 2016, essa acomodação cobraria um alto preço do movimento sindical.
O fortalecimento dos movimentos sindicais, que se intensificou a partir de 1988, possibilitou também o fortalecimento da estrutura política que resultou na eleição do ex-sindicalista Luis Inácio Lula da Silva em 2002. De 2002 até 2015 o Partido dos Trabalhadores elegeu o Presidente da República; Lula até 2010, e de 2010/2015, Dilma Rouseff.
Nesse período, por inúmeras razões de ordem política, o governo deixou de promover uma reforma sindical que emancipasse os sindicatos e os aproximasse novamente das bases, uma vez que a burocracia eternizada no poder sindical distanciou as associações dos trabalhadores.
Já nos anos 2000, o mundo movia-se mais rapidamente do que o habitual, o trabalho fabril mudava freneticamente para a Ásia, em especial para a China, que já vinha em forte processo de crescimento industrial. As fábricas do ABC fechavam, mudavam para outros países ou diluíam-se em unidades pelo país. As pequenas metalúrgicas fechavam. A classe operária criava filhos sem perspectivas de emprego. Sugiram os trabalhadores precários, uberizados, intermitentes e sem vínculo de emprego.
A estrutura sindical foi diluída, bem como o sentido de pertencimento de classe. Terceirização de atividade fim passou a ser aceita pelo Supremo Tribunal Federal, e o golpe fatal se deu com a denominada “reforma trabalhista”, com vigência desde 11/11/2017.
A reforma acaba com o imposto sindical com forte apoio de grande parte da própria classe de trabalhadores. Estes não mais se enxergavam representados por sindicalistas entronizados na direção dos sindicatos, muitas vezes por décadas. A queda do imposto sindical foi bem absorvida. Quebrou-se a estrutura vigente sem a propositura de outra modelo que lhe desse lugar.
Com a crise da Covid-19 a economia brasileira entra em colapso. Todas as medidas para enfrentamento da pandemia foram produzidas pelo Congresso Nacional e Ministério da Economia.
O que se vislumbra, no momento em que o auxílio social terminar e os tributos forem cobrados cumulativamente, mais a retração no consumo advinda da miséria, será o caos social. Um tsunami de desempregados e desocupados ocuparão as ruas e a violência famélica não estará descartada.
Trabalhadores sem representação agirão de forma desordenada e sujeitos a cooptação por agentes coletivos outros, sejam legais, sejam ilegais, sejam parapolitícos.
Esse caldo lembra a Alemanha destroçada pós Tratado de Versalhes. A associação humana é algo natural, e na ausência de estrutura representativa dentro das regras democráticas, qualquer resultado pode ser esperado.