Em defesa da vida, leitos privados devem ser utilizados pelo poder público
Escolha sobre quem ocupará leitos de UTI também tem amparo legal, mas hospitais podem ser responsabilizados por falta de recursos, explica especialista
Na visão de Mérces da Silva Nunes, advogada especialista em Direito Médico e sócia do escritório Silva Nunes Advogados, sobram amparos legais para a utilização de leitos particulares de terapia intensiva pelo Sistema Único de Saúde. No artigo 5º, XXV, a Constituição estabelece que o poder público poderá usar a propriedade particular em caso de iminente perigo público, assegurando ao proprietário o direito à indenização posterior, se houver dano. Além disso, há a Lei nº 13.979/20, que dispõe sobre as medidas de emergência de saúde pública decorrentes do coronavírus, cujo do art. 3º, VII, trata especificamente dessa possibilidade.
O Brasil conta com 55.101 leitos de UTI, entre públicos e privados. Metade deles são para atender 3/4 da população brasileira, que depende do SUS. Já a outra metade serve aos cerca de 47 milhões de beneficiários, que possuem planos de saúde no país. Em situação normal, tal desigualdade já é latente. Numa situação de emergência sanitária, tudo se agrava.
“Os direitos fundamentais, entre os quais, a propriedade privada, não são absolutos e podem ser flexibilizados para atender necessidades de interesse público, devendo prevalecer a ideia de proteção do coletivo (saúde pública) em detrimento do direito do particular. Trata-se, portanto, de uma situação excepcional, de emergência de saúde pública, como ocorre com a pandemia da Covid-19. Eu sou a favor do uso da propriedade privada, nessas circunstâncias, desde que o poder público efetivamente pague a justa indenização tão logo seja possível determinar o valor. Se o proprietário se sentir prejudicado ou não receber uma justa indenização, deverá ingressar na Justiça e pleitear este direito”, analisa Mérces.
Já os protocolos de prioridade de utilização dos leitos de UTI, definidos recentemente pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira e Associação Brasileira de Medicina de Emergência, devem orientar a conduta do médico diante da insuficiência de recursos para enfrentamento da emergência de saúde pública. A escolha do médico deverá ser norteada por alguns critérios que levam em conta a gravidade do estado clínico, por exemplo. Ao realizar a triagem, que resultará na escolha do paciente que ocupará o leito de UTI, o médico e sua equipe de cuidados intensivos (no mínimo três pessoas: dois médicos e outro profissional de saúde) deverão adotar a conduta mais ética e humana possíveis, diante da escassez e esgotamento dos recursos.
“Em minha opinião, os médicos não deverão ser responsabilizados pela escolha sobre qual paciente deverá ocupar o leito de UTI, se restar demonstrado que foram adotadas todas as medidas necessárias e éticas no processo de triagem. Já o hospital poderá, eventualmente, ser responsabilizado pela insuficiência de recursos, indispensáveis à preservação da vida do paciente”, conclui a especialista em Direito Médico.