Impactos do IPO para famílias empresárias
Por Eduardo Gentil, consultor sênior e sócio da Cambridge Family Enterprise Group – Brasil
Meses atrás, encontrei um acionista de uma família controladora de uma empresa que havia acabado de abrir seu capital (IPO, em inglês). A família manteve 80% do capital da empresa e o restante foi oferecido a investidores no Brasil e no exterior.
Nos últimos meses várias empresas de controle familiar abriram o seu capital como o banco BMG, Centauro (Grupo SBF) e a Vivara. Logo no início de 2020, a mídia noticiou que outros grupos familiares já se preparam para seguir no mesmo caminho, como é o caso do Paraná Banco, Daycoval e possivelmente o Madero.
Até semana passada, tudo indicava que teríamos muitos novos IPOs de empresas familiares, talvez até ultrapassando os anos dourados nos mercados de 2006-2007, quando o Brasil teve mais de 70 empresas abrindo seu capital. A crise nos mercados certamente vai adiar esta nova onda de IPOs.
Nos EUA e na Europa, o esse caminho em algum momento da vida da empresa já se tornou algo natural e esperado. Mas, afinal, quais são as implicações de um IPO para a família controladora? Essa é uma discussão fundamental e necessária.
No caso do grupo empresarial que citei, antes da abertura do capital, a família tinha analisado cuidadosamente as vantagens e desvantagens de abrir o capital. Entre as vantagens, enxergavam:
I – Acesso mais amplo a recursos financeiros a custos competitivos;
II – Melhoria na governança – a abertura de capital exige uma série de melhorias nas estruturas e processos de governança de uma empresa;
III – Acesso a liquidez – para acionistas que queiram sair da sociedade ou vender parte da sua participação na empresa;
IV – Atração de talento – as empresas competem por talentos constantemente, sendo que, via de regra, as preferidas apresentam estrutura de governança mais transparência e possibilidade de ter uma remuneração atrelada à valorização das ações no mercado.
O acionista da família controladora comentou que realmente tinham progredido bastante na governança corporativa e na transparência na divulgação das informações sobre a empresa. Convidaram dois conselheiros independentes para compor o Conselho de Administração e seus comitês (auditoria e remuneração) e criaram a área de Relações com Investidores. Enfim, se estruturaram para cumprir todas as exigências de ser uma empresa de capital aberto: governança mais formal e estruturada, separação das questões da família, formalização de regras para os familiares, política de comunicação para familiares.
Ele estava contente com os resultados obtidos até ali e a perspectiva era promissora, embora o preço das ações ainda oscilasse bastante. Mas as mudanças na dinâmica o preocupavam: ele entendia que essa transferência de parte do poder e das vantagens da família para o Conselho de Administração, agora deliberativo e tendo que atender a uma série de exigências formais dos órgãos reguladores, estava impactando o ambiente “amigável” e informal até então presente nas conversas entre os familiares acionistas. Também tinha a sensação de que a formalização havia tirado a agilidade dos processos e afastado a família dos negócios. De acordo com ele, o apego e a conexão deles como família empresária parecia estar diminuindo.
Por outro lado, o acionista entendia que os processos mais formais de governança e transparência ajudaram a deixar mais claras as regras da interação dos familiares com o negócio e a informar melhor os familiares sobre a empresa.
Foi buscar outros exemplos de famílias empresárias que tinham passado pela abertura de capital havia mais tempo, para saber como tinham tratado desta questão – de adaptação a um novo sistema, com muito mais formalidade, regras, restrições e também compartilhamento do poder de decisão.
Boa parte delas, inclusive as nacionais Gerdau e Votorantim, a americana Ford, e a belga Bekaert, passaram por um período de distanciamento entre família e negócios e reagiram, criando outros fóruns de governança, além do Conselho de Administração, para fortalecer a união da família e a conexão com os negócios.
Ao longo do tempo implantaram fóruns para os acionistas da família conversarem (Conselho de Acionistas) sobre os assuntos típicos de sócios e também fóruns para a família se reunir e trabalhar em várias iniciativas, como novos investimentos ou filantropia, envolvendo o empreendimento familiar como um todo.
A lição ou aprendizado mais importante da trajetória destes grupos já mais maduros na governança do seu sistema foi que o IPO acabou mudando a relação da família controladora com seu negócio e ao longo do tempo provocou a necessidade de se “profissionalizar” também, criando seus próprios fóruns para conversas e decisões importantes fora do âmbito do Conselho de Administração da empresa.
Expandiram o conceito de governança para o sistema todo, criaram competências entre os acionistas ativos da família para direcionar a atuação no Conselho de Administração e, tão importante quanto, definiram um posicionamento da marca da perante os mercados.
Ao longo do tempo alguns grupos até deixaram de ter executivos da família trabalhando no negócio, mas mantiveram o controle e a liderança por meio da indicação de bons conselheiros em seus Conselhos de Administração.
O mercado de capitais oferece atrativos para as empresas de controle familiar acessarem capital a um custo competitivo, prover liquidez e atrair talentos enquanto dão um salto em sua governança. Existe, porém, o “risco” do distanciamento da família acionista de seus negócios. Por isso é fundamental que estejam atentos a este ponto, pois é justamente a conexão da família com o negócio que pode gerar maior valorização da empresa e render benefícios à família empresária.