•  sábado, 23 de novembro de 2024

Coronavírus e os crimes sobre o descumprimento de isolamento e quarentena

Roselle A. Soglio

Desde o final do ano passado, o mundo assiste triste cenas de morte, doença, inadequado e despreparado atendimento de saúde, tudo em função do novo vírus que rapidamente circula pelo planeta, o COVID-19, mais conhecido como novo Coronavírus. No Brasil, chegou em fevereiro, e rapidamente vem se disseminando, causando grandes prejuízos, não só financeiros e econômicos, mas sobretudo, à vida humana.

A Constituição Federal prevê que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado, cabendo a este garantir que todo cidadão tenha acesso adequado aos sistemas de saúde, sendo responsável pela redução de riscos de doenças e outros problemas e ele ligados (art. 6º e 196 da CF).

As autoridades de governo, na tentativa de conter o avanço da propagação do vírus, que já se mostrou altamente contaminante, decidiram por meio de lei e de portaria, pela internação compulsória das pessoas que estiverem contaminadas e ou suspeitas de portarem o vírus e se recusarem a efetuar tratamento e permanecer em isolamento, assim como se determinou a quarentena em todo país, recomendando que todos aqueles indivíduos tenham condições, permaneçam em suas casas, mantendo distanciamento umas das pessoas, restringindo o contato interpessoal, evitando-se assim o contágio, com o objetivo precípuo de manter a integridade da saúde e da vida da coletividade.

Diante de tais notícias, foi mencionado que o não cumprimento das recomendações de isolamento e quarentena seria passível de penalização, inclusive com a prisão. Mas, será mesmo que ela é cabível? E em caso positivo, em qual circunstância é aplicável a prisão?  A resposta é sim! é cabível a penalização, sendo a prisão uma medida excepcional, devendo ser analisado caso a caso.

O Código Penal desde 1940  prevê crimes nos quais há transmissão de doenças, de forma dolosa e ou culposa, colocando a vida e a saúde coletiva em risco, como o contido no artigo 131- perigo de contágio de moléstia grave: praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio. A pena é de 1 a 4 anos de reclusão, e multa.  Também, é crime expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente, conforme o artigo 132 do mesmo Código Penal. A pena, neste caso, é de detenção de 3 meses a 1 ano, se o fato não constituir crime mais grave.

E não para por aí, tem-se nos artigos 267 e 268 do Código Penal, os crimes de epidemia e infração de medida sanitária preventiva. O Primeiro assim diz: causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos, pena de 10 a 15 anos de reclusão. Nos casos em que houver morte, a pena é aplicada em dobro. Mas, quando comprovado que o ato foi culposo, ou seja, que a pessoa não desejava a ocorrência, mas agiu com negligência, imperícia ou imprudência, a pena será a detenção de 1 a 2 anos e se houver morte, a pena passa para 2 a 4 anos de detenção. No segundo caso, qual seja, infração de medida sanitária preventiva, ocorre quando se infringe determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa, cuja pena prevista é de 1 mês a 1 ano, e ela pode ser aumentada em um terço, se a pessoa que infringir a normativa legal for funcionário da saúde pública, ou exercer  a profissão de médico, enfermeiro, dentista ou farmacêutico.

Importante colocar que o crime previsto no artigo 268 do Código Penal, para se configurar, não se faz necessário que exista a transmissão do vírus ou a efetivação da propagação da doença infectocontagiosa, basta que se descumpra a lei.

Sabedor de que o vírus- COVID-19 é, em casos mais graves, mortal, e tendo o agente transmissor ciência de que pode transmitir a terceiros, colocando a vida destes em perigo, e se recusando a obedecer a normativa, inclusive de ser mantido em isolamento ou nos casos mais leves, em quarentena, estará sujeito não só a ser submetido a internação e tratamento compulsórios, como também a prisão em flagrante ou cautelar/provisória (preventiva, temporária), instaurando-se contra ela a investigação criminal e processo penal.  Dependendo do caso, o agente transmissor, agindo de forma dolosa ou culposa, pode ser processado pelo crime de homicídio, previsto no artigo 121 do Código Penal, já que a morte se dá em função da transmissão do vírus (cuja pena pode chegar a 30 anos, nos casos de dolo); há anos os Tribunais brasileiro vêm se posicionando como sendo cabível esta penalização mais severa, quando comprovado que a transmissão foi dolosa, sendo exemplo disso a transmissão do vírus HIV.

Há que se dizer que, não há crime por ser portador da doença ou de um vírus, mas sim a conduta por ele adotada, qual seja, sabendo ou ao menos ter ideia de que é portador do vírus, não pratica atos de evitar a transmissão ou de manter contato direto com outras pessoas, quando pode e deve estar isolado ou em quarentena.

É evidenciado o caso de uma pandemia, relativamente ao novo vírus COVID-19, é hora de todos colaboramos e trazer à consciência coletiva de que o direito individual não se sobrepõe ao coletivo, que a vida de cada um nós tem a mesma importância, valorizando-a, como ato de humanização e de solidariedade.

 

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