Rede de mulheres brasileiras ‘caça’ e combate quadrilhas internacionais de golpe de romance
“You have to send the dinheiro”. A frase é de um golpista atraído em conversa gravada com uma mulher de Sorocaba (SP), que é uma das cerca de 200 pessoas espalhadas pelo país que formam a rede de “caçadoras” de criminosos virtuais.
O caso foi mostrado no Fantástico, na noite deste domingo (5), e denuncia o aumento de golpes que envolvem romances, contas falsas em redes sociais e fotos roubadas na web de soldados americanos, empresários, políticos e até de ex-atriz de filmes pornográficos.
Na capital de São Paulo, por exemplo, a caçadora Glauce Lima é casada, avó e uma das administradoras de grupos internacionais que buscam denunciar o crime e dar apoio para as vítimas.
“Levo meu neto na escola e de noite eu faço academia. Tem dia que eu estou na esteira e estou no grupo. Dia que tem problema eu estou no grupo”, diz.
Glauce afirma que fez a página em uma rede social depois que uma amiga, alemã, caiu no golpe.
“Ela pediu socorro e falou: me ajuda? Eu não conhecia e eu não sabia desse tipo de golpe. Entrei em todos os grupos, comecei a prestar atenção. Conheci mais pessoas, mais caçadoras e todas americanas”, lembra.
As pesquisas dela revelaram uma fraude insistente: criminosos que usam fotos reais de militares para enganar homens e mulheres.
“Tentaram me enganar com a foto do soldado americano e eu coloquei na minha cabeça que eu ia descobrir quem era o verdadeiro soldado.”
Na época, Glauce localizou o perfil real do soldado em uma rede social e conseguiu um aliado para os grupos que denunciam as contas impostoras.
“Me apresentei e ele disse: ‘eu não sabia que tinham esses grupos’. Ele pediu para entrar no grupo pra ajudar”, explica.
Com a ajuda de Eric Ebert, que deixou o exército e atualmente é policial na Flórida, nos Estados Unidos, a caçadora virtual conseguiu tirar do ar mais de mil perfis falsos que usavam as fotos do ex-soldado.
Homens na mira
Nesse submundo de crimes em que mulheres são alvos tradicionais, homens também estão na mira dos golpistas.
Para o morador de Curitiba (PR) Hudson Viana, a ajuda das caçadoras quase não chegou em tempo. Viana ficou casado quase 10 anos, se separou e procurava, atualmente, uma nova companheira.
“Você fica na expectativa que seu coração fique preenchido e seja preenchido um dia. A gente vai buscar nos sites de relacionamentos alguma coisa, um perfil que seja compatível com o seu”, conta.
Hudson lembra que o golpista usava as fotos de uma mulher loira que dizia ser do Exército dos Estados Unidos. No entanto, ele suspeitou sobre pedidos de dinheiro e pesquisou. O morador não chegou a pagar nenhum valor quando recebeu a orientação de uma caçadora, a Crystal Brasil, de Cuiabá (MT).
“Ela [Crystal] disse pra mim: ‘Hudson, você não mande mais nada, mais nada, não escreva mais nada, porque eles te cercaram.”
Entre os pedidos de valores estavam uma passagem aérea, uma cirurgia de última hora ou até liberar o envio, pelo correio, de um tesouro.
“Mencionou uma missão na qual um ataque em um palacete de um sheik, um árabe, e que dentro do palacete tinha alguns milhões de dólares que foram retirados e que iam ser repartidos entre os soldados.”
“O homem tem muita dificuldade para poder denunciar. Então, quando ele chega e descobre, ele não faz denúncia, ele prefere se calar”, diz.
‘Noiva de ouro’
Um comerciante do interior do Rio de Janeiro viveu, pela internet, o que imaginava ser um recomeço. No caso, um perfil com imagens de uma ex-atriz pornô mandou mensagens na rede social dele e começou a conversar.
Logo surgiram declarações, pedido de casamento e planos de terem filhos. Entre as promessas, os criminosos, por meio do perfil, disseram que tinham ouro de herança para receber.
Em seguida, foi pedido para que ele fizesse um depósito para que o ouro fosse liberado e levado ao Brasil. Ao todo, ele perdeu R$ 120 mil.
“Peguei dinheiro com minha a irmã emprestado duas vezes. Peguei com um amigo meu três vezes e vendi o carro para pagar isso. Cheguei até a comprar aliança”, revela.
A “noiva” usava o rosto de uma ex-atriz pornô polonesa, que estampou até uma montagem de um passaporte. De tanto ter fotos manipuladas por bandidos, ela gravou um alerta.
“Sou vítima também, porque estão usando minhas fotos”, declarou em vídeo a modelo Ann Angel.
No caso do comerciante fluminense, o crime ficou impune. Nenhuma vítima entrevistada na reportagem levou as denúncias à frente.
Crimes de romance no Brasil
Diferentemente de outros países, o Brasil não tem estatísticas oficiais sobre golpes de romance virtual, o que dificulta o combate a um crime que é marcado pela baixa notificação.
Segundo a psicóloga Beatriz Brambilla, o medo e a vergonha podem influenciar no momento de denunciar os casos. Com isso, as autoridades policiais não têm conhecimento e acaba não tendo muitas investigações.
“A primeira das questões é não agir com preconceito em relação a essas pessoas em não julgar o que elas viveram”, aconselha.
Enquanto a impunidade prevalece no Brasil, as prisões por golpes na internet, não apenas os de romance, deram um salto no resto do mundo: 1.700 há três anos e cerca de 72 mil em 2018, com maioria na China. Os dados são da ONG americana SCARS.
“Lamento dizer, mas o Brasil é hoje um dos polos mundiais dos golpes de romance na internet. E a realidade é que nenhum país está preparado para lidar com isso”, comenta Tim McGuiness, fundador da ONG.
Em nota, o FBI afirmou que, nos Estados Unidos, mais de 18 mil vítimas denunciaram perdas de 362 milhões de dólares com golpes de romance em 2018, um aumento de 70% sobre o ano anterior.
Operação no Brasil
No Brasil, as poucas investigações desses crimes acabam ficando com os estados. Uma operação da Polícia Civil do Distrito Federal, em dezembro de 2019, apreendeu celulares, HDs e documentos em lan house e em igreja na capital paulista.
Foi a segunda fase de uma operação da polícia que há dois anos prendeu três estrangeiros suspeitos de integrar uma quadrilha especializada, segundo a delegada Sandra Melo.
“Há uma divisão de tarefas muito clara na organização criminosa. Isso traz uma dificuldade para as investigações”, detalha.
A caçadora Glauce Lima chegou a ajudar a prender um suspeito em outro país. Na ocasião, a brasileira soube que uma amiga havia caído no golpe e mandou e-mail para a polícia da Nigéria, de onde seria o criminoso.
Segundo ela, o agente pediu para que ela enviasse a ele um pacote. Assim que ele recebeu, foi feita a prisão.
Pioneira na caça
Uma viúva do interior paulista conhecida como Meg é considerada a pioneira da rede que ela estima somar 200 caçadoras. Diferente das outras, a Meg prefere gastar o tempo das quadrilhas de outra forma.
“Fui dando atenção até conseguir o número da conta que ele queria que eu depositasse. Eu comecei a brincar um pouco, eu fazia depósitos em envelopes vazios e mostrava o comprovante.”
“A sensação é muito boa quando chega a mensagem assim: ‘muito obrigada, Meg, por você ter publicado no seu blog. Eu achei a foto de fulano, ele tava dando golpe em mim, eu tava quase enviando dinheiro”, diz.
Ainda segundo a ONG americana, o fundador calcula, a partir de uma projeção sobre número de usuários de internet e denúncias desses casos no Brasil, que pelo menos 200 mil pessoas tenham sido vítimas de golpe de romance virtual no país nos últimos vinte anos.
Sinais de crime
Alguns pontos que podem ser um perfil impostor, segundo a Crystal, são: quase nenhuma resposta pública a comentários, nenhum parente entre os amigos e poucas fotos pessoais, que são escolhidas a dedo para impressionar, como fotos com crianças, animais e cozinhando.
As caçadoras de golpistas também usam a chamada busca reversa de imagens. São ferramentas de pesquisas que indicam onde a foto aparece na internet.
Em nota, o Facebook informou que, para denunciar basta:
- Ir até o perfil da conta falsa ou impostora. Se não for possível encontrar, tente pesquisar o nome usado no perfil ou perguntar a amigos se eles podem enviar um link a você.
- Clique na foto da capa do Perfil e selecione “Obter apoio ou denunciar Perfil”.
- Siga as instruções na tela para enviar a denúncia sobre imitação de identidade.
- O status da sua denúncia pode ser verificado na sua Caixa de Suporte. A partir dali, você também pode acessar mais informações sobre os Padrões da Comunidade do Facebook.
- Se você não tem uma conta no Facebook e quer denunciar alguém se passando por você, você deve preencher um formulário.
- Vá até a conta impostora:
- Toque na parte superior direita
- Toque em “É inadequado”
- Toque em “Denunciar conta”
- Toque em “Está fingindo ser outra pessoa”
- Siga as instruções na tela
- Além disso, é possível denunciar alguém fingindo ser outra pessoa através da Central de Ajuda do Instagram
G1