Tipos de pais, mães ou responsáveis: a perspectiva dos professores e dos teóricos
Por Claudio Sassaki
Teóricos da educação, sobretudo os norte-americanos, têm produzido vasto conteúdo sobre o comportamento de pais, mães e responsáveis de todo o mundo; muitas dessas análises derivam na construção de perfis a partir da resposta que as famílias dão às demandas de diferentes gerações de crianças. Nos últimos anos, as classificações dos especialistas foram de famílias ao ar livre – que enfatizam a importância da liberdade e da independência da criança – até os chamados helicópteros ou cortadores de grama, que assumem a responsabilidade pelos sucessos e fracassos da criança, desenvolvendo um comportamento controlador e protetor; são os que tiram os obstáculos da frente e evitam que os filhos possam enfrentar qualquer tipo de desconforto.
A análise de pensadores da educação que refletem sobre o papel das famílias no processo educacional, sobretudo das novas gerações, não chega a ser uma novidade, como também não é inédito que rotulações surjam para classificar e caricaturar comportamentos e formas de exercer a paternidade. Entretanto, acredito que seja importante criar um canal de diálogo permanente entre pais e professores; um espaço para reflexão franca e que traga uma perspectiva propositiva dos caminhos possíveis para preparar nossos filhos para as demandas do século XXI.
Como pai de quatro filhos, mestre em Educação pela Universidade de Stanford e cofundador da Geekie – empresa que se tornou referência no país em educação com apoio da tecnologia e inovação – tenho acompanhado polêmicas envolvendo, sobretudo, pais superprotetores e ultracontroladores. Diante das classificações feitas pelos professores – e com base na minha experiência pessoal e profissional –, acredito que esses comportamentos descritos são reais, por mais duros ou exagerados que possam parecer em um primeiro momento. Na minha visão, o olhar atento dos educadores capturou a realidade vivenciada em muitas escolas. Entretanto, é importante que esse “diagnóstico” possa almejar a autorreflexão e o diálogo.
O primeiro perfil descrito pelos professores é o Dramalhão, ou seja, aquele (pais ou responsáveis) que transforma qualquer incidente escolar corriqueiro em um épico – mesmo os que não contaram com a participação do próprio filho. Ele repete a mesma história para a escola inteira e somente se sente satisfeito quando o caso se transforma em uma novela mexicana. Nesse cenário há um agravante: o uso incorreto das redes sociais, os famosos grupos de whatsapp dos pais. O Dramalhão utiliza esse meio para transformar um problema específico do filho em algo coletivo; o objetivo é contaminar os demais pais ou responsáveis e envolvê-los em questões que não são de cunho coletivo.
O tipo Especial tem certeza que, no mundo, não há criança mais importante, singular, inteligente e incrível que os próprios filhos; para ele sempre há um motivo para que a criança possa chegar atrasada ou descumprir regras, ou seja, agir acima do bem e do mal. Segundo a classificação, essas famílias acreditam que os filhos não têm culpa de nada. Em diversas ocasiões, mesmo sabendo sobre a culpabilidade da criança ou adolescente, passam por cima de fatos e ensinam, indiretamente, que não existe consequência; que uma atitude certa ou errada não provoca reações. E, nem precisamos detalhar o tamanho do dano que esse comportamento e ensinamento traz à esse filho na vida adulta.
Sem fronteiras é o que envia mensagens diárias aos professores para checar algo – em horários inconvenientes, claro! Não percebe que passa dos limites e não usa o bom senso. Na categoria Clone estão os pais ou responsáveis que estão em todos os lugares: são os últimos a deixar o portão e os primeiros a chegar; estão presentes nas reuniões e não deixam a criança fazer nada sozinha. Os Superprotetores dispensam apresentações, mas vale dizer que para eles, o filho ou a filha nunca apronta; qualquer eventual comportamento inadequado é culpa das outras crianças. Por último, os pais ou responsável Fantasma – embora o nome esteja nos documentos da criança, nunca apareceu; uma ausência, aliás que impacta no desempenho escolar do filho.
Na minha percepção, o contexto da escola contemporânea – e a relação das famílias com essa realidade – explica o fortalecimento desses perfis de pais ou responsáveis e o olhar crítico dos educadores. Penso que o atrito velado entre docentes e famílias, sobretudo as protetoras e controladoras, têm nos colocado distante da criação de uma “sociedade educacional”. Ao fortalecer uma comunidade escolar – um grupo de indivíduos com vínculos e objetivos comuns – é possível construir uma nova lógica de aprendizado. Esse senso de comunidade traz a ideia de construção coletiva da educação, fazendo com que pais, estudantes, educadores e empresas dialoguem; encontrem soluções juntos; sejam corresponsáveis pela educação dos estudantes. A escola precisa ser um lugar de interação, conversa, troca de ideias, cooperação, enriquecimento cultural e aprendizado. Precisamos tornar o que hoje está invisível em visível. As relações estão enfraquecidas, tornando-se necessário criar um espaço para construir uma solução em conjunto.
Uma reflexão que faço é que a grande ambição dos pais é que os filhos sejam automotivados, porque o futuro demanda a iniciativa e motivação para sermos aprendizes constantes, independente da área profissional seguida. Não temos outro jeito de aprender a tomar decisões complexas se não tomando decisões complexas. Na escola, em um ambiente de fomento ao diálogo, devemos incentivar o desenvolvimento dessa habilidade. Esse deve ser um lugar seguro onde o estudante aprenda a tomar decisões e a arcar com a responsabilidade delas – sem correr grandes riscos; em um ambiente controlado. O erro deve fazer parte do processo de aprendizado e não ter consequência irreversível dentro desse ambiente. A escola deve ser um simulador da vida real.
Penso que, no Fundamental I, os pais têm um papel de gestor da vida escolar dos filhos; quando eles vão para o Fundamental II, no final dessa jornada escolar, como pais devemos nos empenhar em ensinar como nossos filhos podem desenvolver a autonomia, automotivação, autodisciplina, autoconsciência. O nosso papel – como pais ou responsáveis – deve evoluir de gestor para ser um consultor; precisamos criar pontes para que nossos filhos venham nos consultar quando forem demandados a tomar decisões importantes; a nossa tarefa é criar uma relação de confiança, de proximidade e de abertura para que eles nos enxerguem como parceiros.
Na escola, o diálogo, a proximidade e o vínculo devem fazer com que haja um ambiente seguro de incentivo ao estudante; traz a tolerância ao erro, desenvolve a determinação, persistência e garra para que o estudante possa lidar de maneira saudável com o processo de aprendizagem. Hoje, a escola muitas vezes ainda está distante de ser um ambiente de colaboração; o estudante por vezes está sozinho; as famílias não possuem informações tangíveis sobre os processos educacionais e desafios enfrentados pelo filho ou filha; o professor está em uma jornada solitária, dando aulas em várias escolas e sem tempo de estabelecer vínculos; o coordenador vive uma rotina sobrecarregada e de cobranças. Ou seja, cada um está imerso no próprio cotidiano, sendo que a escola deveria ser por essência um lugar de colaboração e de corresponsabilidade em prol de um objetivo maior – o desenvolvimento das pessoas. Estamos perdendo uma oportunidade gigantesca de ensinar nossos filhos em um ambiente seguro, onde podemos tornar presente alguns aprendizados que são importantes para a vida futura: a capacidade de tomar decisões complexas; resolver impasses com diálogo; o erro é tolerado e parte do processo de aprendizagem contínua para a vida toda.
Quando lançamos luz a essas particularidades e reforçamos essa noção de corresponsabilidade, todos podem brilhar juntos e colaborar para criar um lugar de encontro, no qual todos estarão unidos em uma comunidade escolar de fato.