•  domingo, 24 de novembro de 2024

Hashi não dá

Não é de hoje que comida japonesa – que no Japão se chama apenas comida – caiu no gosto dos brasileiros, que não tiveram piedade e meteram de cream cheese e batata palha nos pratos tradicionais e causaram espanto nos orientais.

A minha primeira vez comendo comida japonesa foi uma experiência traumática. Derrubei um pote de shoyo na minha calça quase branca e tive de ir ao banheiro tentar me limpar com um nabo (!) oferecido gentilmente pelo garçom. A cena lembrou-me do primeiro filme do Mr. Bean. Depois disso, só voltei a me aventurar com a culinária oriental muito tempo depois, para acompanhar amigos e, aos poucos, fui apurando o paladar.

Aliás, se me lembro bem, antes disso tudo, na infância, fui em um casamento de uma família japonesa e, em determinado momento, ataquei o que eu imaginei que fosse doce de abóbora (ou similar) que estava em uma cesta na mesa e achei o gosto horrível. Não me lembro se era feito de arroz, alga, ou se na verdade eram apenas enfeites perfumados no estilo sabonete que eu tentei comer.

Atualmente, mesmo tendo me acostumado com muitas coisas, ainda não é tanto a minha praia e nem digo por causa dos peixes crus, mas por causa do arroz mesmo. Aliás, arroz e algas são coringas na culinária japonesa e estão presentes em quase todo os pratos, salgados ou doces. Pergunto-me o quanto disso foram os brasileiros que adaptaram e inventaram moda por aqui e o quanto é a realidade lá do outro lado do mundo. Como os hashis, por exemplo, aqueles pauzinhos que a gente usa para comer e que algumas pessoas prendem com elástico – eu não, já consigo andar de bicicleta sem rodinhas. Mas então, às vezes tenho a impressão que lá no Japão eles só fingem comer com os hashis, apenas fazem propaganda para que adotemos por aqui em terras ocidentais, quando na verdade eles usam garfo, faca, colher e a mão mesmo.

Falando em coringas, outro ponto fundamental da culinária japonesa é o shoyo – aquele mesmo que me deu banho e destruiu uma boa calça jeans –, que serve para temperar boa parte dos pratos. Uma amiga que morou no Japão me disse que eles usam com bastante parcimônia, apenas uma pequena molhadinha antes de comer, diferente do que muitos de nós fazemos por aqui, de encharcar o alimento antes de engolir. Pensando assim, é mais ou menos como aconteceu com minha calça, mas preferi não a comer, jeans nunca caiu bem na minha digestão.

Também, apesar das experiências, nunca aprendi muito bem o nome dos pratos. O niguiri, por exemplo, que é bolinho de arroz com peixe cru em cima, eu costumava tratar por lesminha – e meu preferido é a lesminha com cream cheese. Gosto do sashimi, o tradicional peixe cru, principalmente o de salmão, meu peixe preferido, ainda mais se for o grelhado. Já as iguarias envoltas em alga sempre me passam a impressão de estar comendo arroz amarrado com fita isolante o que, ao menos, evita choques.

Interessante também é a variedade de temperos e opções para misturar nos pratos diversos. Acho curioso, em particular, o wasabi, que parece sorvete de pistache, mas tem um gosto bem forte. Meu sonho, aliás, é misturar um pouco dele em um pote de sorvete e deixar na geladeira, só assistindo o circo (e a boca alheia) pegar fogo. Deve ser mais divertido do que deixar o pote com feijão.

Aliás, fico na dúvida se o feijão, tão fundamental aqui em terras latinas, existe por lá. Pensando nisso, espero um dia poder visitar a Terra do Sol Nascente, conhecer na fonte a culinária oriental e, quem sabe, apresentar-lhes meu famoso prato de arroz, feijão e ovo frito. Quero só ver se conseguem comê-lo com hashi.

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