Uma reconstituição didática da tragédia de Chernobyl
Na esteira da impressionante e premiada minissérie da HBO “Chernobyl”, chegou às livrarias nesta semana “Chernobyl 01:23:40 – A verdadeira história do pior acidente nuclear de todos os tempos” (L&PM, 272 pgs. R$ 49,90), do escocês Andrew Leatherbarrow. Convém alertar logo que se trata de uma obra de divulgação, voltada para o público leigo e escrita por um leigo, como o próprio autor assume. “Depois de procurar o tipo de livro que queria ler e descobrir que não existia”, ele escreve na introdução, “decidi eu mesmo escrever um”. Leatherbarrow mergulhou então em uma pesquisa que consumiu cinco anos, incluindo uma viagem à ainda radioativa cidade-fantasma de Pripyat, cenário do desastre ocorrido há mais de 30 anos, na madrugada de 26 abril de 1986.
O livro começa com uma brevíssima história da energia nuclear, na verdade um inventário de barbaridades e acidentes iniciado quando Marie Curie descobriu a radiação criada pela divisão dos átomos. Levou tempo até que se compreendessem os efeitos do rádio fosforescente na saúde, o que custou a vida de milhares de pessoas por pura imprudência, inclusive da própria cientista, que morreu em 1934 de anemia aplástica, depois de passar anos se expondo sem proteção a substâncias radioativas. O capítulo dedica um espaço razoável ao acidente de Goiânia, em 1987, quando uma cápsula com Césio causou a morte de várias pessoas
“Chernobyl 01:23:40” entrega o que promete: uma reconstituição didática do acidente nuclear, sem enveredar por detalhes científicos mais complexos. Mas o autor erra ao acrescentar a essa narrativa capítulos com uma espécie de diário da sua viagem pessoal a Chernobyl, totalmente banais e dispensáveis. Os capítulos 3, 5, 7, 9 e 11, nesse sentido, podem ser saltados sem qualquer prejuízo à leitura. O que interessa mesmo está nos capítulos restantes: a história da construção da usina de Chernobyl, no contexto do comunismo soviético; a reconstituição objetiva do desastre; o relato da resposta de emergência, que incluiu a missão suicida de centenas de heróis anônimos, incluindo bombeiros sem qualquer treinamento para lidar com a radiação; e o processo posterior de descontaminação da região, para evitar que a usina desativada volte a causar problemas.
A tragédia de Chernobyl matou milhares de pessoas e deixou sequelas irreparáveis em outras tantas. Além disso, deixou como legado um número inestimável de problemas de saúde decorrentes da nuvem de radiação que se espalhou pela Europa, o que tem desdobramentos até hoje. Ainda assim, a verdadeira história do desastre ainda permanece encoberta por uma nuvem de mistérios e inconsistências: muitas informações foram sonegadas na época pelo Governo soviético, receosa do impacto negativo que um erro desse porte causaria ao regime comunista.
Um dos elementos mais impressionantes da narrativa, aliás, é o medo que cada personagem tinha do Estado comunista: o temor de uma punição era maior que o de se expor à radiação. Muitos partiram para a morte simplesmente porque a perspectiva de morrer dolorosamente de câncer em poucas semanas parecia menos pior que a de cair em desgraça junto ao partido.
G1